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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

ALCEU FALA DAS PAQUERAS NO CARNAVAL E PEDE MAIS ATENÇÃO AO FREVO

Na varanda de seu quarto, na Rua São Bento, em Olinda, Alceu Valença conversou com o Diario.

Por Luiza Maia



O cantor e compositor pernambucano Alceu Valença voltou da Europa com uma missão diplomática, segundo ele próprio. Quer divulgar a cultura pernambucana e o frevo. Para ele, o gênero, recentemente nomeado como Patrimônio Imaterial da Humanidade, não é valorizado na terra onde surgiu. “Tem pessoas que já disseram ‘rapaz, faça isso não. Para tu, tá é bom’. Mas eu digo pensando em cultura, eu não comerciante”, defende.

Entre uma música e outra, bola estratégias para a política cultura, como um intercâmbio entre os estados. “Você contrata um artista carioca, o governo vai ter que contratar um artista daqui também”, exemplifica. Aliás, sugere que Barak Obama e a Rainha Elizabeth, conterrânea de Sir Paul McCartney façam o mesmo. Haja ousadia.

Haja também disposição para tantos projetos. Além das músicas e poesias, inventou, para a internet, um projeto em que canta no banheiro e outro em que declama poesias e canta a palo seco em viagens e passeios, chamado Pelas ruas que andei.

O filme Luneta do tempo (que já virou lenda e piada) está prometido para este ano, após 13 anos de produção. Mas Alceu não arrisca prever data.

Na varanda de sua quarto, no segundo andar da casa na Rua de São Bento, em Olinda, Alceu conversou com o Diario, sobre música, dia a dia, hábitos e até paqueras de adolescência.



Entrevista // Alceu Valença

Como foi essa mini-turnê em Lisboa e Paris?
Fantastic (com sotaque inglês). Eu morei na França durante um ano. E lá começou realmente a minha carreira. No Brasil, eu gravei três discos, mas a minha relação com gravadora não era muito legal. Porque eu acho que artista não tem que ter rédeas. Eu não sou cavalo, nem jumento. Quando eles queriam que eu fizesse alguma coisa como um cantor de jingle, eu me recusava. Terminei me desentendendo - não brigando, porque eu não sou de briga, porrada, nada disso - e indo morar em paris. Tem até um livro do empresário que me convidou para ir para lá. O livro é simplesmente sensacional. Ele até fala de mim, das minhas doidices. O nome é Lá sou amigo do rei, de Carlos Marques. Eu recomendo. A minha carreira lá começou a andar, mas eu não aguentei de saudade do Brasil. Por que eu estou falando disso? Ah, quando eu voltei para cá, uma música chamada Coração bobo estourou. Então a minha carreira começou a acontecer de uma maneira absurda. Em 1980, cheguei aqui e gravei o disco. No segundo disco, eu já fui para o Festival de Montreaux. Participei do Festival de Cannes, depois Milão. Mas sempre dentro de um evento que não era meu. Quando é um festival, as pautas ficam divididas, entre todos artistas. Dessa vez, não, eu fui sozinho. Fiz três shows em Lisboa e um em Paris.

Como foi a receptividade?
Maria Manoel, a produtora, disse que tinha estava lotada. E o povo querendo entrar. Eu atribuo isso à internet também. Quando eu cheguei em Porto, um casal disse que saiu da Espanha para ver o meu show, duas vezes. Mas eles não conseguiram. No sábado, em Paris, estava entupido. O teatro estava lotado. Nos festivais, sempre têm brasileiros e europeu. Mas, com a crise, o pessoal voltou para cá, então tinha uma plateia muito europeia e muito francesa. Ontem, ou anteontem, passa um cara com sotaque gringo “Alceu, eu vi seu show”. Era um francês, que tinha vindo meu show e, através desse show, teve vontade de vir para cá. Foi muito bom, e eu acho que eu tenho uma missão agora, diplomática, de levar a cultura daqui de Pernambuco para a Europa.

E você só sente isso agora?
Quando eu ia para o Festival de Montreaux, eu era um artista internacional. Tinha dezenas de atrações. Neste momento, fui eu mesmo que fui e vi a repercussão das coisas. É muito bom para mim, a possibilidade de colocar as coisas de Pernambuco. Se eu fosse para a Europa fazer reggae - e eu não tenho nada contra reggae -, se eu fosse para a Europa para fazer rock’n’roll - muito bom o rock -, mas eu fui levar a cara de meu Pernambuco. Eu canto o Sertão, porque nasci em São Bento do Una, e o litoral, porque morei 15 anos aqui.

Era show de carnaval?
Não. O repertório de lá foi um show que eu queria fazer aqui, agora, no dia do aniversário do recife. Eu não sou um tradicionalista, mas respeito as tradições. No carnaval, faço show de carnaval. No São João, faço show de São João. Essas oportunidades que as pessoas têm de me ver no carnaval fazem com que elas achem que eu sou artista de carnaval. E eu tenho seis tipos show. Eu tenho um show acústico, com Luci Alves e Paulo Rafael, um show com a Orquestra de Cordas de Ouro Preto, que chama Valencianas, o show do disco Vivo!, um show contemporâneo. Uma vez, um jornalista americano falou que minha música é rock que não é rock. Ótimo, porque eu queria um show que fosse a minha cara.

O que tinha no repertório?
Dia branco, Baião, Xote das meninas, Vem morena, Canto da ema, Íris, Você atravessando aquela rua, que é uma música chamada… Esqueci… Tesoura do desejo. Cantei uma música chamada Talismã, do meu primeiro disco, La belle de jour.



Você falou que, no carnaval, gosta de fazer show de carnaval. O que você acha da proposta multicultural do carnaval Recife?
Eu não sou um gestor público. Se eu fosse, colocava mais carnaval pernambucano no carnaval e colocava essas mesmas atrações em dias anteriores. Seria melhor para as pessoas assistiram aos shows. Vamos dar um exemplo, para rimar. Vamos dizer que tivesse um show meu e um show de uma pessoa muito bacana de fora. Ou a pessoa assiste ao meu ou ao da outra pessoa. De outra maneira, assistiriam a tudo, do brega ou chique, do pop ao rock, do frevo ao maracatu. Por que estou falando isso? O frevo de Pernambuco ganhou título de Patrimônio Imaterial da Humanidade. O frevo toca? Não. Se você não começa a fomentar essa questão aqui, que as rádios toquem, e que seja a festa do carnaval mais voltada para cá, não vai haver renovação. Quando falo sobre isso, não estou falando em meu nome. O tratamento comigo é maravilhoso, eu tenho tudo.

Apesar do título, o frevo não tem o respeito?
Não tem, não existe nada de frevo nas rádios. Não estou falando de mim. Eu digo que morrerei aos 134 anos, já conversei com Deus sobre isso. Até aí, vai ter sucesso para mim. As minhas músicas estão no inconsciente coletivo do povo pernambucano. Acabou. As pessoas que querem ser artistas vão se inspirar em quem tem uma projeção. Mas se você tem uma coisa como o frevo, que não aparece no rádio, o que acontece? Os jovens que estão se trilhando aqui vão para outra coisa. Eu penso há muito tempo sobre isso. O Brasil está crescendo, enquanto outros países decrescem. E nossa cultura continua sendo escrava do colonizador. Manjou? Não quero que o Brasil colonize ninguém. Mas poderiam existir alguns programas. Por exemplo, a Lei Rounet. O povo brasileiro patrocina um cantor internacional, maravilhoso. Não estou aqui falando mal do cantor. Acho que vêm tantos cantores norte-americanos que Obama deveria fazer uma contrapartida. Paul McCartney vir aqui para o Arruda? Então que a Rainha Elizabeth chame alguém para ir para lá. Na economia, existem discussões comerciais. Isso poderia ser discutido a nível diplomático.

A situação está melhor?
Não. Quando eu saí daqui, nem em bar eu poderia cantar. Hoje em dia, Pernambuco é um estado que tem mais eventos. Eu até sugeriria um ação diplomática dentro do Brasil, entre os artistas. Foi ideia de Yanê. Você contrata um artista carioca, o governo vai ter que contratar um artista daqui também. Tem pessoas que já disseram “rapaz, faça isso não. Para tu, tá é bom”. Mas eu digo pensando em cultura, eu não comerciante. Eu jamais poderia cumprir os pedidos de carnaval que foram feitos. Eu sou tratado muito bem. Isso é mais uma história de política cultural. Eu gosto muito da carreira diplomática.

Você gosta de política?
O meu pai foi político, deputado constituinte, mas ele era uma pessoa meio agoniada. Pelas histórias que eu ouvi dele, não me meti na política partidária. Mesmo porque eu estou uma pessoa muito - como eu diria? - rebelde. Não rebelde, porque essa é uma palavra usada pelo americano para vender rock’n’roll. Eu gosto de discutir o tempo todo. Até porque eu estudei um pouquinho. Rapaz, uma pessoa que foi muito importante foi Bernardete Torres, professora no Curso Torres e depois de direito constitucional. Essa mulher, com um ano, me fez pensar, refletir, não engolir as coisas. Eu tenho sempre uma posição crítica. Não é destrutiva não, eu não brigo com ninguém, mas discordo e peço explicações.

Você lê?
Já li demais. Pronto, eu li o livro de Carlos Marques, Marighella, também.

Você gosta muito de biografias?
Leio de tudo. Recomendo a biografia de Fernando Pessoa, de José Paulo Cavalcanti. Eu leio quando tenho insônia. O livro de Carlos Marques foi fundamental. Eu comecei a ter uma insônia braba, no Rio, e ficava lendo. Eu quebrei até um abajur, que sou desajeitado. Para colocar o abajur perto da minha cama. Eu queria que o sono chegasse, mas a insônia era grande. Eu sou como Graciliano Ramos devia ser.

Acha que é por causa do ritmo dos shows?
Aqui no Brasil, a gente se acostumou a fazer shows de madrugada. Para quê? Por que tem que ser de madrugada, na hora do mau hálito? Aí o cara não produz no dia seguinte. É a mesma coisa. Se começa às sete horas, vai até a meia-noite. Você vai para casa e acorda prontinho para o trabalho. No carnaval não.

O brasileiro gosta mais de farra?
Eu não. Minha farra é arte. Agora inventei um projeto para a internet, Pelas ruas que andei. Então eu saio andando. Encontrei, inclusive, na Mouraria, a rua Madalena e várias outras parecidas com as ruas do Recife. Cantei dentro da igreja de Valença do Minho. Eu não perco tempo. Você pensa que eu minto? Olha aqui (e mostra o vídeo feito no celular). É um projeto em que eu declamo ou canto a palo seco. Declamei nas ruas de Paris, na neve. Tenho um projeto cantando nos banheiros. Inclusive, perdi três banheiros em Portugal e três banheiros em Paris. O banheiro serve para necessidades fisiológicas e para os cantores. Adoro Portugal

Tem algum lugar que você gostaria de conhecer?
Não. Minha questão é Europa e aqui, o Brasil. Eu gosto da frança, Portugal, Espanha, Itália, eu gosto de lá. Japão podia ser que me comovesse, mas é muito longe. Eu não vou porque eu não durmo, porque não consigo dormir sentado. Dessa vez, conseguimos uma cadeira que baixava mais, porque foi classe executiva. (risos) Eu prefiro ir para o bairro de São Paulo, como é o nome dele? (Liberdade). O Brasil é múltiplo. Tem tudo aqui.

Você gosta de viajar?
Eu gosto, mas para fazer show. Tudo meu é relacionado à arte. Eu preciso encontrar uma coisa para fazer. Por isso, falo nessa rapidez.

Você é sempre agitado assim no dia a dia?
A vida toda. Agitação é uma tônica minha. Eu era tido como menino doidinho. Não paro um só minuto. E acho muito bom isso. Tenho muita vitalidade, energia, e não sei de onde vêm. Uma certa loucura. Artista tem que ser doido, não por causa de tóxico. Eu não fumo maconha, mas não critico quem fuma. Eu não tenho tóxico. Todo mundo pensava que eu era doido, mas não. Meu tóxico é arte. É o pensamento, estar o tempo todo criando.

A Luneta do tempo vai sair esse ano?
Virou uma lenda, né? Sabe o que acontece nesse filme? Primeiro, é a Luneta do tempo, logo não tem tempo. O roteiro é passado de 1930 a 1960. Logo, não é no tempo atual. Esteticamente, não fica velho. O filme vai ser lançado esse ano. Já está em pós-produção. Eu editei também, é um filme de autor.

Como foi a experiência?
Foi sensacional, mas não sei se quero fazer outro filme. Não sei se tenho tesão para produzir outro, porque esse filme era uma necessidade que eu tinha. Eu faço as coisas por necessidade também. Fazer um filme era uma coisa importante. Eu queria resgatar histórias, quase lendas que eu conversava com meu pai, no interior. Acho que nunca mais vou me motivar como com esse filme. Até porque ele durou 13 anos.

Tem data?
Não. Data é esse ano. A qualquer hora.

Você tem composto muito?
Sim.

O quê?
Música. (risos)

Frevos?
Também. Muitos frevos. Vou dizer a letra. “Recife, tu foste minha/ Por 15 anos a fio/ teu porto Boa Viagem/ Teus mares e meus navios/ Falo destino de cigano/ Em calendário vazio/ Em dezembro, pé na estrada/ Janeiro, verás o rio/ Não ligues para a saudade, tirana, covarde/ Minha irmã falou/ Que a vida é feita de ida/ A vida é feita de volta/ Recife jamais fechará sua porta/ Ao poeta menino que tanto lhe amou. E fiz outras e outras e outras. Para o filme, está no baú uma coisa inacreditável.

Quando vai lançar um disco?
Para que disco? Talvez, eu grave para colocar na internet. Na minha cabeça, essa coisa do disco acabou. Inclusive para o meu caso específico, porque os meus discos tinham uma história, pelo menos para mim. Você poderia não entender. O Anjo avesso se passava em Olinda, como um filme. E ele contava a história de alguém que conhecia os folguedos populares e ia vendo o Balança Coreto, olhava Salustiano, a Pitombeira, evidentemente com uma mulher. Era um roteiro, um documentário. Em Cinco sentidos, estou dizendo de onde venho, o que quero. Os meus discos tinham uma unidade. Uma música tinha que combinar com a outra. Com esse processo de comprar uma música ou outra, se não roubar (risos), não necessariamente ela tem a ver com a outra. Eu acho que a internet vai mudar muitos hábitos.

Você usa muito internet?
Uso. Na minha página, já tem 150 mil pessoas, fora… Como chama quando eu coloco do meu no dele? (Compartilhamento). Eu tenho um iPad, um desse aqui (iPhone) e um computador. Uso mais o computador, porque isso aqui é chato para digitar. Mas uso o celular para escrever poemas. O meu namoro virtual com a minha mulher, que estava em New York City, era aqui, olhe. (E mostra algumas mensagens trocadas com o amigo Paulo Marques).

Você escreve poesias ou só letras?
Escrevi um livro de poemas, mas não lancei. Eu reescrevi vinte vezes. Eu estou com essa história de declamar poesia porque, às vezes, você escuta a música e não penetra na poesia. As pessoas diziam que que a música popular era uma poesia de segunda.

Você escreve primeiro as letras ou as músicas?
No aniversário do Recife, eu quero fazer o show que eu fiz na Europa, em São Paulo. Eu tenho vários lados que precisam ser conhecidos. Eu sempre modifico o show de carnaval, mas sou um dos poucos que realmente fazem show de carnaval. Eu digo que eu faço cinco tipos de shows porque eu sou múltiplo como o Nordeste. Eu tenho a minha cultura sertaneja, dos aboios, das emboladas, da rabeca, do cego de feira, dos cantadores. Tudo isso ficou na minha cabeça. Isso dá um Alceu Valença baião. Aí eu vim morar no Recife, e tenho a multiplicidade que passou na minha rua.

Você morou na rua dos Palmares, vizinho de Nelson Ferreira…
Naquela época, não tinha calçamento e nenhum edifício.

Como você aprendeu a gostar de carnaval?
Em São Bento do Una, com cinco anos ou menos, eu subi em uma cadeira para cantar. E sabe qual foi a música que eu cantei? “Frevo meu bem/ Pernambuco tem uma dança que nenhuma terra tem/ Quando a gente cai na dança, não se lembra de ninguém/ Será maracatu?/ Não, mas poderia ser/ Será coco de roda?/ Não, mas poderia ser/ É uma dança que vai, que vem/ Remexe com a gente/ É frevo, meu bem”. O cara que ganhou cantou Granada (de Luciano Pavarotti). E o outro que ganhou cantou um samba. Mas eu cantei coisa da minha terra e perdi, por isso inventei de ganhar depois.

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