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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

DOENÇA NÃO CALA O REI DO BAIÃO E O SEU FORRÓ TÁ É DANADO DE BOM

Quem acompanha nosso espaço sabe que mensalmente diversos artistas concede-nos entrevistas exclusivas para abrilhantar o nosso espaço. Este mês, devido ao centenário de Luiz Gonzaga, a entrevista deste mês será a republicação de uma das últimas entrevistas concedidas pelo Rei do baião, 31 dias antes de dar entrada no hospital onde morreria. Nesta conversa informal a expressão máxima da música revela histórias do seu passado. Confira:



Abatido pela osteoporose (uma doença que provoca a descalcificação dos ossos), mas com a mesma força na voz, ele promete que este mês continuará a animar as noitadas de forró, nos chãos batidos das festas juninas. Não tocará seu fole, porque já não aguenta o peso, mas soltará a garganta para que seu canto possa ser ouvido por todos aqueles que lhe admiram.

Com 56 discos gravados, mais de 50 anos de carreira, dois filhos e um incontrolável amor pela família –quando decidiu casar, falou para a noiva: “se você se entender com minha família, se entenderá comigo”-, Luiz Gonzaga já fez de quase tudo na vida: foi soldado do Exército, cantor de cabaré e, por duas vezes, se apresentou na Europa, só para descobrir que “aqui é o melhor lugar do mundo”.

Nascido em 1912, através das mãos da parteira Januária, um dia ele deixou o pé de serra do Araripe, em Exu, Pernambuco, para tomar os rumos do sucesso e acabar conhecido pelo mundo como “o rei do baião”. Luiz Gonzaga tem uma longa história de lutas e conquistas, uma soma que lhe rendeu muito sucesso. Sucesso que nunca lhe subiu à cabeça, pois como diz “o sentimento pelo povo nordestino é muito mais forte”.

Em entrevista exclusiva, concedida em seu apartamento em Boa Viagem à Ângela Belfort, Patrícia Raposo e Marcos Cirano, ele falou de sua vida. Mas, não daquilo que todos já sabem e, sim, de alguns detalhes que a sua memória, a mesma que em alguns momentos o traiu, conseguiu resgatar do tempo perdido entre o Araripe e as veredas sem fim de sua história.

(Esta entrevista foi publicada pelo jornal Folha de Pernambuco, Recife, a 14 de maio de 1989. No dia 21 de junho de 1989 Gonzagão era internado no Hospital Santa Joana, onde morreria a 02 de agosto de 1989)




Qual a previsão do senhor para este São João?

Luiz Gonzaga – As previsões são ótimas, os contratos estão assinados, eu até achei que não devia aceitar, por conta da saúde, mas eles parece que têm mais fé em deus do que eu. Então, vamos lá! E foi assinado contrato: Paraíba, Rio Grande do Norte, Bahia, por aí. E eu pedindo a Deus que me proteja porque eu tô precisando. Os meninos estão aí, afinados, e eu posso fazer uma festa junina sem precisar tocar, sem fazer um só fon. O meu conjunto tá bonzinho, sabe me acompanhar, e a minha voz tá boa. Tocar? Neres! Os meus meninos tocam igual a mim, são de uma família só e vamos lá! Tenho muita fé. Felizmente, tô melhorando, fiz uma cirurgia que não é brincadeira e até ontem Deus me ajudou. Pode ser que Ele me ajude de amanhã em diante. Como eu sou um bom filho, bom pernambucano, bom pai, bom irmão, eu espero que Deus proteja este bom filho. Meus contratos para tocar no São João são com os melhores clubes de Caruaru, Campina Grande, João Pessoa, Salvador e por aí a fora.


E os músicos do seu conjunto, quem são?

Luiz Gonzaga – Pra começar, Joquinha, meu sobrinho, sujeito bom. E o resto é de Exu. Joquinha é neto do velho Januário, mora no Rio de Janeiro, nasceu lá, e ele já é o meu herdeiro musical.


O senhor toca desde menino. Quem lhe ensinou a tocar?

Luiz Gonzaga – Desde menino que eu acompanho meu pai, o velho Januário, um sanfoneiro de pé de serra, foi ele quem me ensinou a tocar. Meu pai consertava fole, eu era seu molequinho, pra onde ele ia tocar, eu ia também.


Quando o senhor era adolescente, tinha muita vontade de conhecer o Crato, não era?

Luiz Gonzaga – É, taí uma boa história! Meu pai recebia muitos convites pra tocar longe de Exu. De Exu para o Crato (NR: cidade cearense) são 70 quilômetros e lá ia o molequinho dele também. E aí, nasceu aquela simpatia pelo Crato, que era uma cidade grande, até hoje o é, cada vez maior. Aí, eu fiquei meio civilizado.


Por que o senhor decidiu entrar para o Exército? 

Luiz Gonzaga – Porque era o colégio do pobre, o único lugar onde o pobre podia entrar para se desenvolver, para se promover. Naquele tempo, 1930, revolução, Getúlio Vargas, eu ainda não tinha idade suficiente, mas fui até lá porque fugi de casa, fui sentar praça em Fortaleza.


O senhor fugiu de casa sem avisar a ninguém? Por que?

Luiz Gonzaga – Foi, fugi sem avisar a ninguém, porque eu queria casar com uma moça, filha de um homem importante de Exu, e ele disse que eu era um sanfoneiro de merda e não podia casar com uma filha de um homem como ele. Aí, eu disse umas molecagens a ele, uma verdades sabe? Ele se queixou a meu pai e o meu pai, ó!...


Quem era o pai dessa moça? Era um líder político?

Luiz Gonzaga – Não, era dono de um sítio, tinha um bom cavalo de sela e isso já era suficiente pra ser um cidadão importante em Exu.


O senhor reencontrou essa moça quanto tempo depois?

Luiz Gonzaga – Meu encontro com ela foi a coisa mais linda do mundo, foi em Campo Grande (NR: bairro do Recife). Uns 30 anos, não, muito mais: uns 40. E, assim mesmo, fui enganado. Uma neta dela, que era estudante universitária (todo universitário gosta de botar os outros pra frente), foi me visitar no hotel, porque sabia da história da avó dela comigo. Foi me entrevistar, depois me convidou pra almoçar na casa de uma família de Exu, sem me avisar nada. Isso aconteceu em Campo Grande, já na década de 70. Quando chegamos lá, tava a patota toda dessa família...


E aí, o que foi que aconteceu?

Luiz Gonzaga – Aí, houve o nosso encontro. Ela não era brobó, era uma cabocla até inteligente, foi um encontro sensacional. E, à noite, no show, numa quadra lá, eu comecei a contar esse encontro maravilhoso que tinha se realizado em Campo Grande. Aí, a moça que me levou na casa dela gritou: 

- Ela tá aqui.

O povo aproveitou: “Vai, vai, vai...” Aí eu disse: Nazarena, chegue aqui! Ela chegou, baixinha, avó de muitos netos e o público começou a gritar: “Beija, beija...” Beijei. Fui aplaudidíssimo. Foi uma coisa louca... Minha vida tem cada história... 


E esse tempo todo não saiu nenhuma musiquinha pra ela?

Luiz Gonzaga – Não, porque eu tinha medo do pai dela. No tempo desse encontro em Campo Grande, ela já era viúva, não tinha problema, mas são histórias que... Só se eu fosse um grande poeta. Poesia nunca me entrou, sou apenas de histórias reais. Poderia ter saído daí uma coisa bonita, mas eu não sou bom pra isso. Sou bom pra criar coisas interessantes, mas sempre com uma poesia boa de poetas amigos meus. Não tive idéia de fazer nada sobre essa história, até mesmo porque esse nosso encontro já foi muito tarde, no final dos anos 70. Minhas histórias quase sempre são reais. Querem ver uma história real?... Gonzagão chama o sobrinho e, com a sanfona do sobrinho, cantam a música “Dá licença pra mais um”. 


Voltando à época do Exército... Depois de algum tempo, seu pai descobriu que o senhor estava no Exército e foi lhe visitar...

Luiz Gonzaga – É, foi no Crato. Foi o seguinte: quando eu era soldado, já tinha passado o pronto e tudo, tinha terminado a revolução, aí o Governo criou um contingente de soldados para desarmar tudo quanto fosse coiteiro, aqueles famosos fazendeiros que tinham armas. Eu pedi pra ir num desses contingentes e, realmente, cheguei a atuar no Cariri, no Juazeiro, e passei um telegramazinho pra meu pai e ele veio me dar um esculacho. Mas, ela não tava muito triste não, porque eu mandava um pouquinho de dinheiro pra ele. 


O tempo entre a saída do exército e o início do sucesso foi muito grande?

Luiz Gonzaga – Não foi nada rápido. Eu tinha gosto, vocação de tocar minha sanfoninha porque era a única coisa que eu sabia. Porque na minha infância eu tinha feito isso com meu pai. Mas, toda vez que eu fazia a tentativa, eu não encontrava caminho. Primeiro, porque a música nordestina ainda não oferecia esse caminho, não tinha intérprete fiel.


Que época foi essa?

Luiz Gonzaga – Já na década de 40, pois tive baixa nos fins dos anos 30. Eu precisava viver, tinha tido baixa, estava desempregado, mas havia adquirido uma sanfona e precisava tocar pra viver. Então, eu passei a tocar tangos argentinos, as coisas da moda. Eu achava que era bom porque eu corria o pires no povo e o dinheiro saía.


E quando o senhor tocava as músicas do seu pai...

Luiz Gonzaga – Eu não fazia fé naquilo, não era comercial, ninguém tocava, ninguém fazia.


O pessoal não conhecia esse tipo de música?

Luiz Gonzaga – Não, não. Porque era uma música que ainda não tinha sido descoberta, ela estava com meu pai, estava comigo, mas eu não fazia fé porque ninguém tocava, nem eu.


Quanto tempo o senhor passou tocando tangos, boleros, essas coisas?

Luiz Gonzaga – No Exército já praticava...Desde menino, quando comecei a tocar sanfona, eu já tocava isso e algumas valsas.


Quando o senhor resolveu tocar música nordestina?

Luiz Gonzaga – Foi por imposição de um grupo de universitários cearenses. Na época eu estava na zona braba do Rio de Janeiro. Eu estava cansado de ganhar dinheiro pra me ouvir tocar coisas que não se coadunavam comigo, nem com eles. Mas, era moda: era blues americano, boleros, era essas coisas que eu cantava. Até que os cearenses jogaram o desafio sobre mim, me entrevistaram lá mesmo no lugar onde eu tocava:

- Você é de onde?
- Sou de Exu, respondi.
- Onde é Exu?
- No pé da serra do Araripe.
- Nós somos cearenses, somos de lá também. Você não toca um negócio daqueles lá do pé da serra?
- Não, respondi.
- Você falou que tocava com seu pai. Por que você não toca aquelas coisas dele?
- Vocês são doidos: pra eu morrer de fome! Ninguém quer aquilo, não.
- Ah, você está completamente no mundo da lua. Toca um negócio daqueles só pra nós!
- Não posso, porque já toquei quando menino, mas agora não lembro mais.
- Então, vamos fazer um negócio, disseram eles. Quando a gente voltar aqui, você vai tocar um pé de serra pra nós, pra gente matar a saudade.
- É, vou ver se me lembro...

Isso foi lá no bar onde eu trabalhava, na zona braba. O nome do bar eu não me lembro, só sei que era na zona do mangue. Era um bar de um espanhol. Eu conto sempre essa história porque é batata, que o interlocutor vem direitinho nessa pergunta... Aí, eu cheguei em casa (eu morava lá num morro) e comecei a praticar um negócio quente que já era forró, era forró e eu não sabia, era forró puro. Ensaiei, pratiquei, decorei e eles não vinham. Eu não esquecia deles, mas também não tocava lá, era só pra eles que eu ia tocar. Até que um dia, um mês depois, eles apareceram, entraram calados no bar, eram uns quatro ou cinco, um atrás do outro, nem me cumprimentaram, se lembravam direitinho do compromisso, e eu também. Toquei uma das músicas prali, corri o pires no povo, não fui na mesa deles. Quando voltei, sentei na minha mesinha, peguei a sanfona e disse pros meus colegas (que eram três: violão, viola e guitarra): “Olha, rapaziada, vou tocar um negócio diferente aqui, mas vocês não vão estranhar não, porque é fácil: é só primeiro e segundo tom” (solfeja). 
Quando acabei, não foi só eles não, foi uma invasão naquele bar, tava escuro de gente. Aí, os cearenses gritaram:

- Eita, pai d’égua! Olha aí, você disse que não dava. Toque outro!

Foi outro forrozim. Naquela época, eu ia aos calouros do Ari (NR: Programa de Ari Barroso), do Almirante, todos os meses, nunca tirei uma nota cinco pra ganhar prêmio. Fui na Nacional (NR: Rádio Nacional), ganhei. Fui na Tupy, ganhei. Isso foi em 1941, justamente quando comecei a gravar. E, aí, apareceu amigo pra tudo. Só quem não gostou foi o dono do conjunto, porque perdeu o sanfoneiro. Começou a aparecer convite pra cá, convite pra lá, e o pobre do dono do conjunto ficou sem emprego, pois acabou o conjunto.



Com 50 anos de carreira, o tempo passa e Luiz Gonzaga sobrevive. Como o senhor explica o fenômeno do seu sucesso?

Luiz Gonzaga – Pobreza, pobreza. Eu sempre fui muito pobre, pobre demais e tudo o que eu faço tem sempre um destinatário: a pobreza. Eu trato o pobre bem, eu trato o pobre com amor. As histórias que eu conto sobre os pobres são todas com respeito, originalidade. E o nordestino era tão pobre e ainda o é. O povo nordestino, sendo um povo espirituoso, cheio de graça, não tinha quem cultivasse a sua graça. Então, a graça dele era uma graça sem graça. Aí, eu comecei a decantar o nordestino com respeito, com amor, com a alma. As histórias que eu pesquiso, como as poesias do poeta Patativa do Assaré, Zé Marcolino e outros têm espiritualidade. Nós sempre apresentamos o pobre como inteligente, engraçado. E esse pobre se agarrou comigo. As histórias do pobre nordestino que eu conto são todas verdadeiras. Canta: “Setembro passou/Cum oitubro e novembro/Já tamo em dezembro/Meu Deus que é de nóis?/Assim fala o pobre/Do seco Nordeste/Cum medo da peste da fome feroz”. Esse é um protesto forte. E isso se tornou a toada do pobre, do vaqueiro, do cangaceiro. Então, foi aí que eu me tornei cantador dessa gente. Quando eu gravo um disco, pouco estou me incomodando se vende muito ou pouco, porque o meu público, o pobre nordestino não pode comprar disco. O disco é para o pobre nordestino. Mas tem muita gente pobre que enriqueceu e se lembra do seu passado através do trabalho. No Sul, Centro-Sul, quanto mais distante, mais eles gostam de mim por causa da origem. Minha vida é uma coisa tão bonita, mas não é tão difícil de contar, não. 


Qual foi a época que o senhor fez mais sucesso?

Luiz Gonzaga – Quando eu descobri o Baião, aí foi sucesso mesmo.


A fama nunca lhe subiu à cabeça, não?

Luiz Gonzaga – Não, porque essas coisas nunca me atingiram, nunca.


Nesses 50 anos de carreira, o que foi que mais lhe marcou? Quais foram as maiores recordações da sua carreira?

Luiz Gonzaga – Foram tantas. O primeiro disco... O primeiro disco é uma coisa incrível. O primeiro sucesso, beleza.


Foi fácil gravar o primeiro disco? Como é a entrada de um artista popular na indústria do disco?

Luiz Gonzaga – O primeiro disco foi a coisa mais fácil do mundo. Difícil foi conseguir cantar. Porque, para gravar, eu fui chamado par acompanhar um humorista paulista chamado Genésio Arruda, na RCA, onde acharam que eu tinha um jeito bom e perguntaram se eu queria fazer um teste. Eu perguntei o que era isso. Aí, disseram: “toque alguma coisa da sua autoria”. Eu toquei. Aí, disseram: “quer gravar um disco aqui com a gente?” Gravei dois! Foi muito fácil. E, naquele tempo, eu tava começando a cantar nas gafieiras do Rio e começaram a achar que eu era engraçado na minha maneira de cantar. Cantava choro, músicas de Almirante e umas emboladas que era a única coisa do Norte que existia por aí. Foi aí que uma fábrica me chamou pra gravar, a Odeon. Eu disse: Vou falar com o meu patrão. Eu já tinha falado com ele uma vez, pra tentar uma prova lá na minha fábrica, mas o patrão me gozou: “Já te vi cantar, Luiz; é a maior tristeza do mundo, cê canta ruim demais”. Aí, eu disse: Agora, uma fábrica me chamou pra gravar, e é uma concorrente de vocês, é a Odeon. Aí, o patrão: “Ah, você não pode, não, você é nosso”. O diretor lá disse: “Você tá doido!” Então, telefone pra ele agora, disse eu. Ele telefonou e lá na gravadora disseram que me queriam. Foi quando ele viu que o convite tinha fundamento.

Então, a Odeon mandou eu fazer uma prova, pedindo que eu gravasse uma música cantando para ver o que acontecia. Eu estava, naquela época, numa fase tão sem expressão, que só ganhava uma espécie de ordenado. Só vendia um óleo de disco e recebia 300 mil réis por mês, uma quantia certinha. Mas, quando botei música cantando e aguardei o lançamento, saiu logo 350 mil réis de salário. Continuei até hoje (NR: na gravadora RCA).


Qual foi a sua primeira música gravada?

Luiz Gonzaga – “Dança, Mariquinha”. Dança, dança, Mariquinha/a rancheira para o povo apreciar... E fiquei lá na fábrica 48 anos.


Quantos discos o senhor já gravou?

Luiz Gonzaga – É difícil de dizer, porque eu comecei a gravar em março de 1941 e nós já estamos em 89. São 50 anos de discos. Nessa trajetória o discou mudou. No início era feio, pesado. Depois, passou a ser mais leve e hoje já se fala em disco laser. Esse é que o pobre não vai comprar, mesmo.


O senhor nunca gravou um disco de duplo sentido?

Luiz Gonzaga – Duplo sentido mesmo, esse duplo sentido que eles estão apresentando aí, que começam a cantar e você já sabe onde ele quer chegar, esse é lasca! (Neste instante tenta lembrar alguma música sua com duplo sentido e não consegue. Aí, Joquinha lembra de Capim Novo, Carolina com K). Mas, essas Joquinha, eram com freio, não considero duplo sentido, não. Eu sempre me dei bem com minhas coisas, para que vou apelar? Eu descobri muito cedo que o cantor engraçadinho se acaba logo cedo, num instante.


Por que?

Luiz Gonzaga – Vocês sabem mais do que eu. Ivon Curi, por exemplo, é um grande artista, mas para o público acabou-se, fazendo aquelas graças que fazia. Dá até pena. Acho, pelo seguinte: o sujeito que grava uma piada num disco e é cantor, acaba saturado porque a piada com o tempo perde a graça. A melodia, se for boa, fica, assim como a poesia. Eu gravei alguma coisa, como aquela música que meu pai dizia: “Isso é hora de chegar em casa, seu corno?!” Mas, isso é duplo sentido? Acho que não.


Que música Luiz Gonzaga ouve, além de baião, xote ou forró?

Luiz Gonzaga – Dominguinhos, eu gosto de ouvir Dominguinhos.


Como é que o senhor vê o movimento musical hoje no Brasil?

Luiz Gonzaga – Uma grande confusão.


Por que?

Luiz Gonzaga – Eu não sei a causa, mas acho que é por essa coisa de comércio. E também tem muita gente, mas muita gente mesmo, fazendo besteiras, loucuras como essa história de rock. Então, se embola tudo, é uma lástima.


A música brasileira não tem qualidade?

Luiz Gonzaga – Inventaram um tipo de música chamada música comercial. Então, qualquer porcaria, o vendedor e o produtor acham que é comercial e jogam em cima do público. Essas porcarias saem muito mais rápido e a gente que procura caprichar, fazer uma coisa bonitinha, demora muito a vender. Agora, o bagulho, aquele bagulho que causa até vexame nas pessoas, a cambada compra, curte e depois joga no mato. 


Quais os compositores da MPB que o senhor mais gosta?

Luiz Gonzaga – Olha, eu gosto muito de Geraldinho Azevedo. Gosto do caboclo doidão que tem por aí chamado Alceu Valença. Adoro Elba Ramalho. Gosto muito daquela maranhense sambista, Alcione, apesar dela ser muito jazz. Têm muitos sambistas bons por aí, vindos do carnaval... O carnaval tem sido um peso muito pesado contra a música popular brasileira.


Por que?

Luiz Gonzaga – Porque a mau gosto impera, são músicas malfeitas. Antigamente, a música de carnaval atravessava anos e anos tocando para o povo. Músicas lindas. Aí, a crioulada tomou conta e lá vem bagulho. É uma pena, sabe?


Quem fazia músicas de carnaval bem feitas?

Luiz Gonzaga – Ora, Braguinha, Alberto Ribeiro, tanta gente boa. Uma Jardineira, quem não se lembra? Lamartine Babo, ô meu Deus do céu, era tanta coisa bonita. Mas, hoje são músicas de metros e metros. Como é que se vai suportar coisa daquele tamanho? Como é que se vai suportar um samba-enredo. O que é que tem ali para se gostar? Dezessete léguas e meia de samba ruim. Música bonita... Eu gravei uma música chamada “Triste Partida”, ela leva oito minutos, é grande, mas não é pra ser cantada assim coletivamente, não. É uma música pra se levar pra casa.


Quando o senhor vai escolher uma poesia para fazer uma música, o que é que o senhor leva em conta?

Luiz Gonzaga – Eu não escolho poesia. A primeira coisa que procuro é a graça, é ter imaginação, e levo para o meu poeta completar.


Qual foi o seu maior parceiro musical?

Luiz Gonzaga – Foram Humberto Teixeira e Zé Dantas. Os dois maiores.


O senhor fez excursões pela Europa: como foi a receptividade da sua música na Europa?

Luiz Gonzaga – Eu não fui várias vezes, não: só duas ou três vezes. Fui cantar lá levado como se leva um bando de bichos, animais pro curral. Fui sem liberdade, sem lugar condigno. Então, a gente é levado assim e apresentado como um cara sem expressão. Nunca mais! Quando me vem um convite, eu tremo de raiva. 


Como e quando foi essa história?

Luiz Gonzaga – Foi uma dessas festas de Governo. Só em Paris eu fui duas vezes. Negócio bom é quando o artista é contratado para cantar em casa de espetáculo, como eu vi Gilberto Gil em Paris fazendo mais sucesso do que aqui no Brasil. Ele cantou no Teatro Olympia, um teatrinho até feio, mas famoso que só o cão. E eu cantei em outro teatro, era até bom, no Bobino de Paris, em 1982.

Pergunta – Quem foi que patrocinou sua viagem pra lá?

Luiz Gonzaga – Foi Cello, um amigo de Nazaré Pereira. Pra mim, não aconteceu nada. Sou muito agradecido a Nazaré Pereira, porque ela me mostrou a cara de Paris de perto e Paris mostrou a cara a mim. Com Cello fui para o Meaurinoux. 


É verdade que o senhor tinha vontade de acompanhar o bando de Lampião?

Luiz Gonzaga – É, levei uma pisa por causa disso. Lá em casa, por qualquer motivo se castigava. Eu era doido por Lampião. Quando eu via aquele retrato nos jornais, eu dizia: “Eita, que homem bonito, olhe mãe”. E mãe dizia: “Hum, sei!..” Uma vez, houve uma notícia que ele ia passar na nossa ribeira, aí eu digo: É agora que eu vou ver o homem. Todo mundo daquela ribeira, daquele povoado, foi dormir nos matos. Eu também fui, mas em protesto. Aí, meu Deus, de manhã cedo minha mãe disse assim: “Será que Lampião já passou e deixou a estrada livre pra gente passar?” Passou coisa nenhuma, mãe. Lampião está longe, em outros lugares, e a gente dormiu neste mato, feito bicho. “Tu tem coragem de ir lá em casa, Luiz?” Eu vou, se a senhora quer, eu vou agora mesmo. A gente estava distante de casa, mais ou menos um quilômetro. Meti o pé na estrada, na vereda e, quando cheguei em casa, nas outras casas tava todo mundo em casa, menos nós. Aí, fiquei grosso. Voltei pra o nosso rancho planejando um malfeito. Quando avistei a negada, disse: Corre, gente, que Lampião vem aí! Quando entrei no rancho, que era debaixo da quixabeira, todo mundo com seus terens, com seus picuaios debaixo do braço, abri a boca no mundo e ri: Lampião passou coisa nenhuma, todo mundo dormiu em casa, menos nós. Aí, minha mãe, que era quem mais me batia, perguntou: “É, meu filho?” Eu disse: é mãe, voltou todo mundo, mãe Januária, seu Jacó, Zé Jacó, todo mundo em casa, menos nós. A essa altura, eu já tô sentindo o cheiro dela, bem pertinho de mim. Me pegou: “Seu moleque safado”... Ela não poderia me bater, ela era forte, mas eu já era meio taludinho. Aí, minha mãe e meus irmãos me cobriram de pau, porque o medo foi muito grande.


Quantos anos o senhor tinha nessa época?

Luiz Gonzaga – Devia ter uns 12 anos. Aí, sempre com a idéia de Lampião na cabeça, até que, quando eu vim ser artista, comecei a usar o chapéu de Lampião.


Quem era a mãe Januária?

Luiz Gonzaga – Era uma senhora parteira que tinha lá em Exu, foi ela quem me pegou. Lá chama-se aparadeira.


O senhor quis se candidatar várias vezes, mas nunca se tornou um político. Por que?

Luiz Gonzaga – Porque nos primeiros passos que eu fazia, eu já me decepcionava. Coisa horrível é a política. Ninguém respeita ninguém.


Como é que o senhor vê o movimento político no Brasil?

Luiz Gonzaga – Eu não vejo, porque pra isso aí ei sou meio cego, não dá pra ver nada.


E, pra presidente da república, o senhor votaria em quem?

Luiz Gonzaga – Em Marco Maciel, porque conheço de perto. E é um homem muito íntegro do Nordeste. Esses homens íntegros do Nordeste não se elegem, porque não deixam. Se eles se elegerem, é desmando na certa.


Nessa entrevista, o senhor falou em deus várias vezes. Gonzaga é um homem religioso?

Luiz Gonzaga – Olhe, lá em casa sempre foi uma casa de muita reza. Hoje mesmo, essa hora o que é que estão fazendo lá - Gonzaga pergunta ao sobrinho Joquinha e ele mesmo responde: Novena de trinta dias, é o mês de Maria. Depois que eu me casei com essa bichinha (refere-se a Edelzuíta Rabelo, sua atual mulher), eu emendei na reza, porque essa aí, quando a gente vai dormir, eu sinto aquele silêncio e percebo que ela está rezando sozinha. Aí, eu digo: Minha filha, me leva, que a gente reza junto. Rezar é bonito. Eu tô percebendo que as perguntas amoleceram. Eu tô mole, vocês também tão moles. Eu tô doente, gente. Desculpe, mas é que eu preciso me deitar. Vamos s’imbora?

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