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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

ROBERTO SILVA: MUITO MAIS DO QUE PRÍNCIPE DO SAMBA

Uma pequena, porém singela homenagem pela passagem do primeiro mês sem o nosso "príncipe do samba".

Por Abílio Neto


Roberto Napoleão Silva que nos deixou em 09 de setembro último, aos 92 anos de idade, não foi somente o “Príncipe do Samba”. Aquele homem foi um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos. Começou a gravar em 1946, mas muita gente só lembra dele quando gravou a antológica série de LP “Descendo o Morro”, de 1 a 4, entre 1958 e 1961.

Fez sucesso e gravou muito nas décadas de cinqüenta, sessenta e setenta, porém na década de oitenta e na seguinte, esqueceram-se dele. No início da década de noventa, o repórter de TV Amaury Júnior, ao entrevistar João Gilberto, lhe perguntou sobre os artistas que ele admirava e o pai da Bossa Nova citou Roberto Silva como um dos maiores cantores brasileiros. Pensaram até que ele havia confundido os nomes, que talvez fosse Orlando Silva. Não, João Gilberto insistiu: era Roberto Silva mesmo. E aí a nossa mídia gaiata e sem memória saiu doida à procura desse “desconhecido” Roberto Silva.

Isso aconteceu porque no Brasil nas décadas de oitenta e noventa surgiram artistas e grupos de valor, mas também incorporamos uma carga de bagulho enorme. E o pior: bagulho vendido como coisa de alto valor artístico. Eu silencio quanto a nomes de artistas ou grupos porque gosto musical e traseiro, cada qual tem o seu preferido.

Sem me alongar na biografia do saudoso Roberto Silva, apenas reafirmo que ele era perfeito cantando samba, samba-canção, bolero e até baião. Tenho em meus arquivos dois preciosos baiões gravados por ele em 1951, quando cantou com o acompanhamento musical do conjunto de Geraldo Medeiros.

A minha lembrança dele vem desde menino quando eu era um fã ardoroso de músicas antigas veiculadas no rádio em programas que normalmente traziam o nome de “Hora da Saudade” ou “Cantinho da Saudade”. É importante citar que na década de sessenta eram criados programas radiofônicos com o fim de não deixar cair no esquecimento aquelas pérolas musicais das décadas de vinte, trinta, quarenta e até cinqüenta. E hoje o que temos?

Foi num desses programas que tomei conhecimento da sua preciosa gravação para a música “Ex-filha de Maria”, um clássico de Lupicínio Rodrigues que guardo com muito carinho na minha memória e nos meus arquivos. O gaúcho era imbatível na composição de música romântica e Roberto Silva fez da sua canção uma jóia raríssima. Depois, na própria década de sessenta, me lembro de Roberto cantando o famoso bolero de Raul Sampaio e Ivo Santos “Quem Eu Quero Não Me Quer”.

O que me chamou mais a atenção em Roberto Silva foi o seguinte: quando finalmente o redescobriram como um tesouro do canto popular, ele foi chamado a gravar um disco em 2002, isso aos 82 anos de idade. Eu conheço neguinho por aí que diz que nasceu em 1960 e quando grava, a voz já não é a mesma e dana-se a gritar (forçando nos agudos), sinal de que o seu “alerta” está desligado. E como foi que Roberto Silva conseguiu gravar o disco “Volta por Cima” aos 82 anos com aquela classe toda? Simples a explicação: a mão generosa de Deus que sempre foi muito para ele que pôde criar bem seus sete filhos. Não existe outra explicação. Fico sempre emocionado ao ouvir “Nova Ilusão” que Paulinho da Viola havia regravado tão bem em 1976, mas Roberto Silva o superou. É por isso que Paulinho dizia na sua reconhecida humildade: “Não sou o Príncipe do Samba. É Roberto Silva”. Caetano Veloso é outro que o colocava nas alturas. Zeca Pagodinho o contratava para fazer show particular para sua família. Roberta Sá era outra apaixonada por ele.

É muito difícil para este reles cronista tentar arranjar uma música só que realce esta crônica (uma vez que são tantas) demonstrando todo o talento desse genial artista que partiu neste trágico ano de 2012. Já sei. Vou de “Jornal da Morte”! Não conheço pessoa alguma que escute esta música com Roberto Silva e não diga que ele foi um grande cantor. Este samba de Miguel Gustavo, gravado por ele em 1961 (Descendo o Morro nº 4), é uma dessas músicas que se tornam uma crônica do cotidiano. Você a ouve hoje e parece que ela foi feita ontem. Tanto assim que em 2000 quando o grupo Nação Zumbi (sem Chico Science) a regravou, alguns Zés do Rock que comentam na mídia digital chegaram a elogiar a criatividade do grupo pela composição. Não sabiam eles que o samba era de 40 anos atrás. Para quem gosta de rock, a regravação ficou um prato cheio. 

Mas eu gosto mesmo é de ouvir Roberto Silva cantando “Jornal da Morte”.

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