Francisco Alves se destacou entre as grandes vozes da primeira metade do século XX, tornando-se o rei da voz e um ícone dentro da música popular brasileira. Em 2012 completa-se 60 anos do fatídico acidente que o tirou a vida e o fez entrar na história do nosso cancioneiro.
Por Bruno Negromonte
Nos anos em que a música brasileira dispunha de artistas do quilate de Orlando Silva, Sílvio Caldas, Mário Reis, Nelson Gonçalves e tantos outros, um nome se destaca ora por seu talento, ora por polêmicas diversas com as quais vez por outra se envolvia, como por exemplo a compra de composições. Filho de um imigrante português, o referido artista nasceu no Rio de Janeiro e teve 4 irmãos, dentre eles Ângela, sua irmã mais velha e que foi uma das incentivadoras da vida artística do pequeno Francisco o presenteando com uma guitarra, seu primeiro instrumento musical.
Ainda criança começou a trabalhar como engraxate objetivando prover sua família que passava por dificuldades financeiras, a situação de sua família acabou obrigando a mudança da família para a rua Rua Evaristo da Veiga, no centro do Rio de Janeiro, onde também até os dias atuais encontra-se um dos batalhões da Polícia existente na cidade. Nessa época, o pequeno Chico costumava acompanhar os ensaios da banda de música desse espaço militar.
A partir dos 18 anos trabalhou em fábricas de chapéus, foi chofer de táxi e em 1920 casou-se com Perpétua Guerra Tutóia, a quem conhecera num cabaré na Lapa. Porém o casamento durou pouco tempo, propiciando Francisco Alves vir a casar-se novamente, desta vez com a atriz Célia Zenatti, com quem viveu por 28 anos. Nos últimos quatro anos de vida, Chico apaixonou-se por Iraci, sua companheira até o fatídico dia de seu acidente.
Depois das experiências profissionais antes citadas decidiu que seria cantor e fez o seu primeiro teste com o maestro Antônio Lago (pai do centenário ator e compositor Mário Lago) no Pavilhão do Méier, e mesmo sendo aprovado preferiu ainda tomar aulas de canto com o barítono Sante Athos por um período de três meses. Nessa época passou por diversas companhias artísticas como a de João de Deus-Martins Chaves e a Companhia de Teatro São José, do empresário José Segreto. Logo em seguida conheceu o compositor Sinhô que o apresentou ao filho da renomada instrumentista Chiquinha Gonzaga que estava montando uma fábrica de discos.
Seu primeiro disco saiu em 1919 pelo selo Popular e constava duas composições do Sinhô: a marcha carnavalesca "O pé de anjo" e o samba "Fala, meu louro", com o próprio Sinhô fazendo o ritmo. Cinco anos depois já constava no casting da multinacional Odeon gravando músicas de pouca expressividade em sua discografia com exceção de algumas como o samba "Ora vejam só", grande sucesso do carnaval de 1927. Ainda no mesmo ano, foi o primeiro cantor a gravar no novo sistema eletrônico na Odeon, lançando a marcha "Albertina" e o samba "Passarinho do má", ambas do dançarino e compositor Duque.
Entre 1928 e 1929 gravou cerca de 113 discos de 78 rpm totalizando quase 300 músicas (um verdadeiro record até os dias atuais). Isso se deu depois que Francisco passou a gravar concomitantemente na Parlophon, subsidiaria da Odeon, utilizando o apelido de Chico Viola. E em fevereiro de 1929 fez sua estreia no radio, apresentando-se na Rádio Sociedade.
Ao longo da década seguinte chegou a gravar diversos sucessos que se perpetuaram dentro do cancioneiro popular brasileiro, dentre eles "Dá nela" (samba de Ary Barroso), "Feitio de oração" e "Fita amarela" (ambas da lavra do sambista Noel Rosa), "Serra da boa esperança" (samba canção de autoria de Lamartine Babo) e "Se você jurar", parceria com Ismael Silva e Nilton Bastos. "Júlia" (frevo canção de autoria de Capiba). É desse período também os antológicos registros das canções "Boa noite amor"de José Maria de Abreu e Francisco Matoso (composição que transformaria-se no rádio como prefixo e sufixo de suas apresentações) e "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso. Com o antológico arranjo de Radames Gnatalli a música tornou-se um verdadeiro cartão postal da música brasileira.
Vale o registro também de que na década de 30, Chico Viola firmou parceria com Mário Reis (outro grande cantor da época) gravando cerca de doze discos em 78 rotações, lançou em seu programa de rádio o cantor das multidões Orlando Silva (aquele que seria seu "concorrente" em número de fãs), excursionou pelo Brasil e exterior (Argentina), assinou contrato com a gravadora Victor e a Rádio Mayrink Veiga e deu início a sua atuação no cinema com o título "Voz do Carnaval" (1933), de Ademar Gonzaga, no qual foi aproveitada apenas sua voz tirada de discos. Dois anos depois teve de fato a sua estreia nas telas com "Alô, alô Brasil", flime dirigido por João de Barro e Wallace Downey. Em sua filmografia ainda constam os títulos "Alô, alô Carnaval", de Ademar Gonzaga (1936), "Laranja da China" (1940), de J. Rui, e "Samba em Berlim" (1943), "Berlim na batucada" (1944), "Pif-paf" (1945), "Caídos do céu" (1946) e "Esta e fina" (1948), todos de Luís de Barros.
Na década de 40 vieram gravações como a valsa "Eu sonhei que tu estavas tão linda", de Lamartine Babo e Francisco Matos, "Marina", de Dorival Caymmi, "Cinco letras que chora (Adeus)", de Silvino Neto, "Caminhemos", de Herivelto Martins e "Canta Brasil", de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser, que consolidaria o prestígio do gênero samba-exaltação ao nosso país. Do gaúcho Lupicínio Rodrigues vieram "Nervos de aço" e os sambas "Quem há de dizer", este uma parceria com Alcides Gonçaves e "Esses moços (Pobres moços)". Vale lembrar que vem dessa década a sua parceria com o jornalista e compositor Davi Nasser que acabaram resultando em cerca de 20 composições e um livro de bolso biográfico, escrito por Davi, intitulado Chico Viola, publicado em 1966. Outra parceria exitosa do "Rei da voz" foi com Orestes Barbosa que trouxe como resultado canções como "Por Teu Amor", "Meu Companheiro", "A Mulher que Ficou na Taça" e "Dona da Minha Vontade". No entanto, toda a sua carreira como compositor foi cercada por polêmicas e desconfianças, pois muitos acreditavam na compra de parcerias por parte do cantor.
Era comum a venda de parcerias e até mesmo da canção inteira por parte dos compositores e Francisco Alves era um daqueles que habitualmente procedia desse modo, fazendo com que o seu lado compositor ficasse um pouco ofuscado. Sobre sua obra como compositor, observou o musicólogo Vasco Mariz: "Mesmo que, com exagero lhe fosse negada a autoria de todas as suas músicas , e realmente não há dúvida que muitas delas foram compradas a diversos compositores, uma ficaria, pelo menos, para lhe dar também um título de glória neste setor: a melodia com que revestiu os versos de Horácio de Campos e que seria, aliás, o seu prefixo musical: 'A voz do violão'."
Em 1952, a 10 de setembro, gravou na Odeon, aquele que foi seu último disco, interpretando a canção "Malandrinha", de Freire Jr. e o samba "A mulher do meu amigo", de Dênis Brean e Osvaldo Guilherme. Dezesste dias após esta gravação, o cantor morreu vítima de um acidente automobilístico na Via Dutra, quando retornava de São Paulo. Por ocasião de sua morte, assim noticiou o Jornal do Brasil: "O maior cantor brasileiro de todos os tempos, Francisco Alves, morreu em um desastre de automóvel na Via Dutra, no Estado de São Paulo, quando viajava em direção ao Rio de Janeiro. Seu carro (um buik) chocou-se com um caminhão em plena rodovia, e, explodindo o motor, as chamas envolveram todo o veículo, carbonizando o corpo do querido artista. (...) Era contratado da Rádio Nacional, em cujo elenco artístico estava há 10 anos. Tão logo chegou a notícia do falecimento de Chico Alves, a emissora suspendeu a sua programação habitual em sinal de luto. As demais emissoras homenagearam igualmente a sua memória fazendo ouvir os seus discos, inclusive a Rádio Jornal do Brasil, que sentiu profundamente a morte do artista das multidões". Por ocasião do enterro do cantor o mesmo jornal assim noticiou o fato: "Brasil canta "adeus" a Chico Alves: "Adeus, adeus, adeus/Cinco letras que choram/Num soluço de dor". A canção de Silvino Neto foi o fundo musical da despedida de Francisco Alves, O Rei da Voz. Sua morte arrancou lágrimas no Brasil inteiro. Os seus restos mortais foram transportados para esta capital durante a noite, e no dia seguinte filas intermináveis passaram diante do seu esquife. Multidões compungidas, chorosas, saudosas do seu ídolo desaparecido. Quem conhecia o artista que se impôs pelos seus predicados vocais e pelos dotes do seu coração, sentiu profundamente o acontecimento que o destino determinara." No trajeto até o Rio de Janeiro o caixão foi sendo recoberto de flores pelo povo e o seu. epitáfio foi escrito pelo jornalista David Nasser: "Tu, só tu, madeira fria, sentirás toda agonia do silêncio do cantor".
Interpretou todos os gêneros e foi quem mais gravou em toda a historia dos discos de 78 rpm no Brasil: 526 discos com 983 musicas. Como compositor deixou cerca de 132 musicas, sendo seu forte a melodia.
Fonte consultada:
Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira
Será que alguém tem toda essa obra dele disponível?
ResponderExcluirÉ bem provável que o Nirez, lá de Fortaleza, tenha.
ResponderExcluir