É fácil perceber que há gerações dentro da chamada “nova geração” da MPB, que une artistas como Mallu Magalhães e Kassin, com seus quase 20 anos de diferença. Um olhar mais atento percebe que a abertura geracional vai ainda mais longe — e mais perto, dentro da própria casa — ao pôr na mesma roda pais e filhos. Há muitos exemplos. Tulipa Ruiz, Felipe Cordeiro, Davi Moraes, os irmãos Domenico e Alvinho Lancellotti, Tim Bernardes, Bem Gil, Antonia Adnet e Moreno Veloso, todos, de diferentes formas, são parceiros dos pais.
Tulipa, Felipe e Tim estão entre os artistas cuja relação aparece de forma mais evidente. Os dois primeiros têm os pais — respectivamente, os guitarristas Luiz Chagas e Manoel Cordeiro — como membros de suas bandas. O terceiro gravou com O Terno um CD no qual metade das músicas é de seu pai, o ex-Mulheres Negras Mauricio Pereira, que participa do disco.
"Quando quis comprar minha guitarra Fender, ele me chamou pra ser roadie. Isso pagou boa parte da guitarra", lembra Tim. "Quando os guitarristas não podiam ir a um show, ele me chamava. Numa dessas, inauguramos o Pereirinha e Pereirão, aproveitando a onda folk que estávamos curtindo. Eu já tinha O Terno, ele nos chamou para fazer versões de músicas dele. Começamos a fazer shows juntos e resolvemos gravar algumas das versões no CD 66."
Curso particular
Tulipa e Luiz Chagas — do Isca de Polícia, que acompanhava Itamar Assumpção — começaram a trabalhar juntos quando o guitarrista a convidou para cantar músicas que havia feito. Mas a influência ia além. Jornalista, ele recebia os discos com material de divulgação e passava para ela, quase como um curso particular.
"Quando estava na quinta série, meu pai entrevistou o Slash. Me senti a pessoa mais descolada da escola, era meu único assunto. Cresci ouvindo as guitarras dele nos discos do Itamar, era fã dos seus riffs — conta Tulipa. — É o cara mais jovem da minha banda, quem mostra para a tchurma o último do Radiohead, dos Strokes. E sabe exatamente tudo sobre o Sonic Youth."
Felipe, revelação da cena musical paraense, descobriu tarde que tinha um parceiro em potencial em casa. O início de sua carreira foi na MPB tradicional. Até descobrir, instado pela revalorização da música brega do Pará e de ritmos como a lambada, que tinha a seu lado um patrimônio. Manoel era produtor conceituado da seara de artistas populares como Beto Barbosa.
"Ele já viu de tudo, fez muita coisa. Me ensinou a nunca perder a alma e a espontaneidade." Recomendação similar à que Tim escutou do pai quando decidiu fazer faculdade de Música:"O conselho que ele deu, e eu ouvi, foi “estuda, mas não perde a fuleiragem”.
Antonia Adnet conta que só compreendeu a riqueza do trabalho do pai, Mario, aos 16 anos."Foi quando ele produziu “Ouro negro”, com a música do Moacir Santos. Começamos a trabalhar juntos, eu de assistente musical e, mais tarde, coproduzindo discos dele, e ele produzindo os meus", explica a cantora e violonista.
Moreno Veloso fez a primeira canção com o pai, Caetano, cedo — tinha 8, 9 anos quando criaram “Um canto de afoxé para o bloco do Ilê”. Hoje, são parceiros como artistas e produtores:
"Ele tinha melodia e mote, e eu escrevi o começo da letra assim que ele me mostrou. Depois, ele me pediu pra escrever o resto, e fiz a segunda estrofe. Na gravação, cantei um pouco. Quase dez anos depois veio “How beautiful could a being be”, que dei de presente pra ele."
Domenico e Alvinho Lancellotti tiveram em casa a referência paterna de Ivor Lancellotti, com quem compõem e gravam:
"Hoje vejo claramente nas minhas coisas desenhos melódicos como os de meu pai, assim como nas canções do meu irmão. É uma marca d’água, tenho orgulho", afirma Domenico.
Gilberto Gil teve o filho Bem Gil (do Tono) como músico de sua banda em alguns projetos. Quando tinha 16 anos, Bem ouviu os álbuns do pai em sequência, absorvendo tudo:
"Pelo fato de viajarmos muito juntos, cobro dele histórias e referências que ele viveu ao longo da vida musical. O que é uma curiosidade de filho para pai e de músico para gênio". Filho do novo baiano Moraes Moreira, Davi Moraes teve um cavaquinho à mão desde cedo:
"Quando fui demostrando a minha vontade de ser músico, meu pai não disse: “Então vá, siga o seu caminho.” Ele me disse: “Vamos juntos!” E me mostrou o caminho."
Fonte: O Globo
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