Corria o ano de 1953 e já como Rei do Baião, Luiz Gonzaga fazia um sucesso danado. Teve que provocar uma alteração no seu conjunto pé-de-serra, uma vez que seu sanfoneiro Catamilho só vivia bêbado. Luiz gostava de cerveja, de uísque, de um bom vinho, mas bebia com moderação. Era patrocinado por toda espécie de cachaça, porém detestava gente bêbada. Quem sabe, a perda do irmão mais velho, o Joca, falecido em 1947, vítima de cirrose, tenha provocado essa reação, pois Gonzaga fez de tudo, mas não conseguiu afastá-lo do vício.
Em 1952, numa turnê pelo sertão baiano, Gonzaga conheceu o anão Osvaldo Nunes Pereira e naquela ocasião já pensava em colocá-lo no seu conjunto como tocador de triângulo porque entendia que o fato seria uma coisa inusitada. Mandou o anão ir ensaiando. Um ano depois, a família de Osvaldo havia mudado pra Xonin (nome indígena), distrito de Governador Valadares, em Minas Gerais, mas o motorista de seu Luiz achou o anão, que foi incorporado à comitiva do cantor. A turnê prosseguiu, mas chegando em Itabuna, a capital do cacau, no sul da Bahia, durante um show, Catamilho estava tão bêbado que caiu no palco com zabumba e tudo. Gonzaga, a princípio tentou enrolar o público dizendo que o zabumbeiro tinha ensaiado a queda, mas aí um baiano da plateia falou o seguinte: “oxente, esse cabra tá é bebum!” Como não pôde manter a mentira, Gonzaga ficou irado! O público, no entanto, riu às escâncaras.
Catamilho foi demitido sumariamente, porém o “triangueiro” Zequinha, em solidariedade ao amigo resolveu sair. Saíram os dois e pior pra Gonzaga que naquele momento havia ficado sem seus ritmistas, em que pese a agenda do sanfoneiro registrar compromissos para os dias seguintes, a começar por um em Santo Antonio de Jesus-BA. A turnê do Rei do Baião teve que ser interrompida até a formação de um novo trio. Foi quando Luiz se lembrou de um engraxate do sul do Piauí que chamava a atenção dos fregueses porque fazia malabarismo e percussão com as escovas. Mandou sem demora seu motorista para lá a fim de apanhar o engraxate Juraci Miranda. Motorista de Luiz Gonzaga sofria muito, mas trabalhava contente porque o homem além de ser bem humorado, era espirituoso, contava “causos” e tratava o empregado muito bem.
No Piauí, o engraxate, de imediato, topou a proposta de tocar com Gonzaga. Chegaram cansados da longa viagem, mas seguiram todos no mesmo dia pra Santo Antonio de Jesus com novo conjunto formado e um grande problema: o novo trio não havia ensaiado e, portanto, não poderia se apresentar sem o devido e mínimo ensaio.
Antes de chegarem em Santo Antonio de Jesus, fazia um calor danado no recôncavo baiano, mas seu Luiz sabia da existência de um riacho com cachoeira, às margens da estrada. Foi quando Gonzaga falou pro divulgador Romeu o seguinte: “olha, nós vamos parar na beira desse rio, tomar um banho de cachoeira e ensaiar debaixo daquele pé de pau, pois eu tenho que treinar o conjunto. Você segue com o motorista pra cidade a fim de anunciar o show. Quanto estiver tudo pronto, volte pra apanhar a gente”.
O banho segundo Gonzaga serviria pro ensaio do grupo mas também pra tirar a inhaca do anão que, no carro, já vinha com um “cheiro danado de ruim”. Gonzaga era exímio ritmista de zabumba e triângulo e queria que os dois novos ritmistas tocassem do seu gosto e, além disso, que também dançassem o xaxado (segundo Dominguinhos, Gonzaga foi o maior dançador de xaxado que ele viu). Bem, então, todos tiraram a roupa e ensaiaram por quase três horas. Ensaiavam, tomavam banho, ensaiavam e novamente tomavam banho! Palavras de seu Luiz:
“O ensaio foi com todo mundo pelado. Expliquei que Juraci ficava com o zabumba e Osvaldo com o triângulo, e ensinei o ritmo a eles: ‘Olha, vocês vão andando, andando, andando até cansar, mas vão fazendo o passo certo no ritmo. Depois com os instrumentos, andando, andando, andando e tocando, no passo certo do ritmo’.
Em 1952, Gonzaga havia se afastado de Zé Dantas em função de problemas havidos com a parceria entre os dois e Humberto Teixeira tinha se tornado deputado federal, de maneira que Luiz teve de recorrer ao maestro Hervé Cordovil que trabalhava em São Paulo para colocar letra em algumas de suas melodias: “Xaxado”, “Baião da Garoa” e o grande sucesso “A Vida do Viajante”. A primeira e a terceira faziam parte do roteiro musical apresentado naquela excursão e “A Vida do Viajante” ficou famosa justamente a partir daquela turnê, mas outro xaxado também, além de “Xaxado”, ganhou fama naqueles meses de viagens.
Voltando ao banho de cachoeira, os três esqueceram somente de um simples detalhe e assim cometeram uma falha imperdoável perante os costumes dos habitantes daquelas bandas: quem vai tomar banho de cachoeira e se o banheiro é público, na cerca de palha seca que protege a cascata contra os espiões, o sujeito tem que colocar a roupa estendida com metade pro lado de fora, que é justamente pra dar a entender que o local está ocupado.
Nisso entra no enredo uma cabocla baiana do recôncavo que foi se aproximando da cachoeira também pra tomar seu banho, ao mesmo tempo em que ia escutando o som já harmonioso de um trio composto por sanfona, zabumba e triângulo. Imaginou que estivesse havendo uma festa no local e foi pra lá espiar. Mulher é um bicho danado de curioso! Foi se chegando, se chegando, e por entre as palhas, de cócoras, resolveu dar uma “brechada”.
Para seu grande espanto viu três homens nus tocando seus instrumentos e dançando ao mesmo tempo! Mas quando ela olhou pro anão, quase caiu sentada: o anão tinha uma rola tão avantajada que o fazia se assemelhar a um jumento nordestino e, dançando, parecia que tinha uma cobra balançando entre as pernas, presa por uma das extremidades, mas querendo se soltar!
Mulher nordestina daquele tempo era criada pra ver só um homem nu em toda sua vida, justamente pra evitar certo tipo de desejo, pois cabôca nordestina é mulé de um homem só. Assustada, deu um grito tão danado que interrompeu o ensaio e desembestou feito uma égua com sede pelo sertão afora, gritando pelos santos protetores dos baianos: “valei-me meu São Bom Jesus da Lapa, ajudai-me meu Senhor do Bonfim, socorrei-me meu Santo Antônio de Jesus, livrai-me dessa visão do inferno!”, passando como uma bala pelo espantado motorista de Luiz Gonzaga que tinha vindo buscar o trio naquele exato momento.
Na noite de 23 de outubro de 1953, em Santo Antônio de Jesus/BA, Gonzaga estreou o novo conjunto com seus integrantes devidamente batizados: Cacau na zabumba, e no triângulo, o anão Xaxado. Um ano depois Gonzaga mudou o nome do anão pra Salário Mínimo. Numa excursão à região Norte, um recepcionista de um hotel disse que aquele músico era tão pequeno que mais parecia com o salário-mínimo do estado do Maranhão (naquela época o salário mínimo era diferenciado por região). Foi sem dúvida o mais carismático ritmista de Luiz Gonzaga. Deixou de trabalhar com ele porque também se danou a beber. Muito tempo depois, Salário Mínimo voltou a usar o nome artístico que lhe deu o Rei do Baião, Xaxado, e a trabalhar com ele no Forró Asa Branca, na Ilha do Governador/RJ (1972/1975). Cacau, a partir de 1957, passou a trabalhar com Marinês e Abdias formando o conjunto “Marinês e Sua Gente”. Luiz Gonzaga, em entrevista 34 anos depois, confirmou que o anão tinha uma “pra ti vai” fora dos padrões: aproximadamente meio metro!!! E olhe que todos os homens da família de Januário tinham a fama de ter a penca grande.
Nessa turnê de 1953 em que apareceu esse anão roludo, Luiz Gonzaga cantava uma música que viria tornar-se um dos seus grandes e inesquecíveis sucessos: “A Vida do Viajante”, lançada em disco de 78 RPM em novembro/53, dele e Hervé Cordovil. E o xaxado que também apresentava pelo Brasil afora, era um dos mais significativos do seu repertório: “Vamos Xaxear”, de Luiz Gonzaga e Geraldo Nascimento, gravado em agosto de 1952.
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