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segunda-feira, 5 de março de 2012

LUIZ GONZAGA É CEM: HOMENAGEM A MIGUEL LIMA

Ele era músico e trabalhador em estrada de ferro. Gostava de compor valsas.

Por Abílio Neto




Na época em que Luiz Gonzaga gravava somente como instrumentista, ele apareceu uma noite num dancing com a partitura de uma valsa na mão e pediu a Gonzaga que a entregasse ao conjunto musical do qual o futuro Rei do Baião fazia parte. Aquele conjunto tinha no seu forte o swing, o samba e o choro. E Luiz aguardava a sua vez para tocar tangos. Nesse momento, Miguel Lima se aproximou e lhe disse: “– vem cá, você pede para o maestro tocar esta música minha aí? Se você conseguir, depois a gente toma uma cerveja”.

Gonzaga entregou a partitura de Miguel Lima ao maestro e como a orquestra tocava à primeira vista, sem dificuldade alguma executou a valsa solicitada, que, segundo Luiz Gonzaga era “absolutamente horrível”, o que lhe rendeu uma bronca do pianista da orquestra: “– Olha aí, Pernambuco (como Luiz era chamado), quando você tiver outra merda dessas não precisa trazê-la para cá não”.


Pois bem, Miguel Lima não fugiu do compromisso de pagar umas cervejas para Luiz Gonzaga e conversa vai, conversa vem, Gonzaga descobriu a vocação do homem para letrista. Ao se despedirem no final daquela noite de 1944, tinham decidido fazer parceria e a primeira missão de Miguel Lima foi colocar letra na famosa música “Vira e Mexe”, que depois chegou às mãos de Gonzaga com letra e novo título: “Xamego”.

Esta música “Xamego” foi gravada por Carmem Costa ainda em 1944, que assim se tornou a primeira pessoa a gravar uma música de Luiz Gonzaga. Xamego foi um tremendo sucesso e mostrou ao Brasil o talento de um homem injustiçado até hoje, o fluminense Miguel Lima. Sim, porque todos que escrevem sobre Luiz Gonzaga relegam a terceiro plano a grande influência dele na vida artística do Rei do Baião. Zé Dantas, Humberto Teixeira, Zé Marcolino, Onildo Almeida e João Silva foram grandes parceiros de Luiz Gonzaga, mas não saíram do regionalismo. Miguel Lima, ao contrário, provou que era bom de samba, baião, xamego, choro, maxixe, calango e marchinhas de carnaval. Há verdadeiras preciosidades melódicas de Luiz Gonzaga que receberam letras precisas de Miguel Lima: “A Mulher do Lino”, “O Xamego da Guiomar”, “Dezessete e Setecentos”, “Penerô Xerém”, “Dança, Mariquinha”, “Cortando o Pano” (com Jeová Portela), “Quer Ir Mais Eu?”, “Bamboleando” e “O Torrado da Lili”.

Quando Luiz Gonzaga definiu o baião e os ritmos do Nordeste como primordiais para a sua carreira, Miguel Lima dele se afastou por não concordar com a decisão de Gonzaga. O Nordeste ganhou, mas o Brasil perdeu o seu talento que poderia ter aflorado em outras composições com Luiz, porém justiça seja feita: um dos mais belos baiões de todos os tempos é dele em parceria com o sanfoneiro alagoano Gerson Filho: “Três e Trezentos”, que foi gravado em 1958, após dez anos de afastamento do Rei do Baião. Foi sua homenagem a Luiz Gonzaga, o homem que lhe abriu o caminho artístico.



O Dicionário da Música Popular Brasileira, de Ricardo Cravo Albin, fez um resumo da vida artística de Miguel Lima deste modo:

“Em 1944, Carmem Costa gravou dele e Luiz Gonzaga o samba "Chamego", seu primeiro grande sucesso como compositor. No mesmo ano, Ademilde Fonseca gravou com acompanhamento de Antenógenes Silva ao acordeom o choro "Pica-pau". Foi o primeiro parceiro de Luiz Gonzaga, com quem compôs a mazurka "Dança mariquinha", os chamegos "Penerô Xerém" e "Cortando pano" e a valsa "Perpétua", todas em 1945. No mesmo ano, Manezinho Araújo gravou o samba "Dezessete e setecentos", parceria com Luiz Gonzaga e que se tornou um grande sucesso, sendo gravado diversas vezes. Ainda no mesmo ano compôs com Antenógenes Silva a marcha "Palhaço" gravada por Gilberto Alves com acompanhamento do próprio Antenógenes Silva. Ao longo da carreira compôs marchas, valsas, baiões, sambas, calangos e maxixes, entre outros ritmos. Teve composições gravadas, entre outros artistas, por Luiz Gonzaga, Severino Januário, Zé Gonzaga, Ademilde Fonseca, Antenógenes Silva, Trigêmeos Vocalistas, Carmem Costa, Vicente Celestino, Araci de Almeida, Augusto Calheiros, Gerson Filho, Manezinho Araújo e Jorge Veiga. Em 1946 compôs com Pedro Paraguassu a marcha "Ovo azul", gravada por Luiz Gonzaga. No mesmo ano, teve o samba "Meu ranchinho" gravado por Augusto Calheiros e o calango "Se quer ver vem cá", com Luiz Gonzaga, gravado pelos 4 Ases e Um Coringa. Em 1947, Luiz Gonzaga gravou a marcha-frevo "Quer ir mais eu?", parceria dos dois. No mesmo ano, Araci de Almeida gravou dele e Gil Lima a marcha "Câmbio negro". Em 1948, George Brass e seu conjunto gravaram o maxixe "Marimbondo", parceria com o próprio George Brass e Tito Ramos e os Trigêmeos Vocalistas gravaram dele e Raul Carrazzato o fox "Miss Mary". Em 1949 compôs com Antenógenes Silva e Gil Lima o samba "Dois destinos", gravado por Antenógenes e seu conjunto. Em 1951, a cantora Ademilde Fonseca gravou os choros "Galo garnizé" e "Pedacinhos do céu", este em parceria com Valdir Azevedo. Em 1956, Ademilde Fonseca gravou o baião "A situação", parceria com Gil Lima. Em 1957 compôs com Gerson Filho a marcha "Aguenta o banzeiro" gravada pelo próprio Gerson Filho. Em 1958, Roberto Paiva gravou a marcha "Resposta da fanzoca", de parceria com Gil Lima, e Jair Alves gravou o maxixe "Sacode as cadeiras", parceria com Fred Williams. No mesmo ano, a RCA Victor lançou o LP "Xamego", de Luiz Gonzaga, trazendo onze parcerias suas com Gonzaga, entre as quais o maxixe "Bamboleando"e a rancheira "Cortando o pano". Em 1959 compôs com Rubem Gomes o bolero "Um pouco de você" gravado por Vitor Bacelar e com Paulo Marques a marcha "Dona Rosa" gravada por Jorge Veiga. Em 1960 compôs com Aguiar Filho a rancheira "Rancheira da vovó" e com Claudino Lima a rancheira "Marambaia", ambas gravadas no mesmo ano por Severino Januário. Em 1961 Paulo Tito gravou dele e Laesse Miranda o chótis "Confusão em família". Um de seus principais parceiros foi Antenógenes Silva com quem compôs, entre outras, o choro "Pica-pau", a marcha "Cantor do rádio" e a valsa "Sueli". Teve mais de 60 composições gravadas.”



Miguel Lima foi um compositor de importância fundamental na grande obra de Luiz Gonzaga porque foi cantando suas letras que o Brasil conheceu sua voz, mas os dicionários e enciclopédias de música não esclarecem sequer quando e onde ele nasceu e morreu. Para salientar que foi mesmo um grande nome na música basta lembrar que é dele a letra de “Pedacinhos do Céu”, célebre choro de Waldir Azevedo.

Como homenagem a Miguel Lima, o primeiro grande parceiro de Luiz Gonzaga, vou proporcionar aqui a audição de duas obras suas como letrista, a marcha-frevo “Quer ir Mais Eu?” e “A Mulher do Lino”, a primeira na gravação original de Luiz Gonzaga, e a segunda na voz de Carmem Costa.

O arquivo que contém a gravação original de “Quer Ir Mais Eu” me foi concedido pelo músico, escritor e colecionador Raimundo Floriano, um maranhense de Balsas para o mundo, residente em Brasília e um dos maiores amantes e conhecedores do frevo.

5 comentários:

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