Lá vem vindo o menestrel dos desatinos. Vem montado em seu cavalo baio. Magia perambulando infinitos, sobrevoando tempos, pressentindo vidas. Lá vem o poeta avoando, cavalgando um sonho avoengo. Carrega nas mãos o cálice da amarga verdade. Voeja buscando semear boas ideias em terras sãs.
Ao vê-lo, uma mulher pergunta: “O que pretendes, senhor das noites?” “Deixo que a brisa toque”, ele responde. A mulher prossegue: “O que buscas, senhor dos dias?” “O sino em mim no tempo”, entoa o cantador. Um jovem se intromete: “Ora, mulher, deixe que o homem siga. Não vês que ele é doido?” “Doido só podes ser tu, meu jovem, que não vê arder no cantador a labareda do futuro e do passado”, retruca a mulher.
Interrompendo o seu passar, o menestrel murmura alegorias... A mulher vira-se para melhor ouvi-lo e vê que quem acabou de lhe dirigir a palavra é agora um vulto que vai distante, em meio a denso feixe de estrelas. Ela acena, numa entristecida despedida. (O moço de há muito tomou outro rumo.) O silêncio se fez mais dolorido do que a solidão. Voltando-se para a mulher, o menestrel lança sua chama derradeira: “O vento sabe quando é tempo, e quando é silêncio entendo”.
A mulher e o moço são, claro, mera ficção. Mas os versos que compõem a fala do menestrel/cantador (“Deixo que a brisa toque/ O sino em mim no tempo/ O vento sabe quando é tempo/ E quando é silêncio entendo”) são da música “Eu Venho Vagando no Ar” (Túlio Borges), que dá título ao primeiro CD deste cantor, poeta e compositor.
Borges fecha o CD com ela, cantando acompanhado apenas do violão de Rafael dos Anjos e do pífano de Davi Abreu. Rafael dedilha a introdução e segue junto com o pífano de Davi, prenunciando a profundidade do que cantará a voz aguda, firme e afinada de Túlio.
Para abrir o disco, ele adaptou alguns “pontos” de domínio público que sempre ouviu D. Inácia (que o criou e trabalha com sua família há mais de 35 anos) cantar. Ela sola os versos que encerram a faixa. A percussão de Amoy Ribas realça a pueril candura de cada ponto, todos cantados doce e amorosamente por Túlio.
Em “Toca Aí” (Túlio Borges), o violão de Rafael dos Anjos é tocado de forma a deixar a letra fluir: “Toca aí uma canção pra eu cansar de ouvir/ Uma canção pra eu pensar em mim/ Pra eu calar e tentar me ouvir/ Vou fechar os olhos/ Se eu chorar, continua/ Há muito choro em mim/ Por mil razões que eu sei/ E mais dez mil que herdei”. Modestamente, eu respondo a cada um dos versos: “Ela está aí, cantador, nós a ouviremos até nos encantar. Nós nos calaremos, poeta, e o ouviremos enquanto o refletimos em nós. Acompanharemos seu choro e seguiremos, pois ele e mil porquês habitam também em nós.”
Construtor de melodias inesperadas, criador de poesia calorosa, a música de Túlio Borges tudo harmoniza em suave cumplicidade, com cuidadosa feitura. Seu CD independente Eu Venho Vagando no Ar traduz com música os sentidos e os sentimentos que são seus, mas também são nossos.
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