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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

NELSON CAVAQUINHO, 100 ANOS

Nelson Antonio da Silva, uma das maiores referências do samba brasileiro, se vivo completaria um século de existência ao longo deste mês de outubro.

Primeiros tempos



Nelson Cavaquinho nasceu Nelson Antonio da Silva, em 1911, na praça da Bandeira, no Rio de Janeiro. Sua mãe, Maria Paula, era paraguaia e índia. O pai, Brás Antonio, tocava tuba da banda da Polícia Militar; um tio adotivo era violinista. Ainda menino, Nelson construiu um brinquedo feito com uma caixa de charutos com barbantes esticados e amarrados em pregos, simulando um cavaquinho.

A família vivia se mudando, com dificuldades para pagar aluguel. Quando Nelson tinha oito anos, passaram a residir numa casa ao pé do morro de Santa Tereza, onde ficava o convento das irmãs carmelitas. A mãe arranjou um emprego de lavadeira no convento, e Nelson passou a frequentar, com gosto, as aulas de catecismo das freiras. A ideologia cristã iria influenciá-lo por toda a vida e em muitas canções, inclusive a sua preferida: "Caridade".

O futuro sambista só estudou até o terceiro ano primário. Teve então que começar a trabalhar como operário numa fábrica de tecidos. Não demorou nesse emprego, como em muitos outros que arranjou ao longo da vida.

Nelson se torna um chorão



Quando Nelson Cavaquinho fez dezoito anos, sua família se mudou para a Gávea, na zona Sul do Rio, naquela época um bairro habitado por operários e amantes da música. Nelson começou a se envolver com os grupos de choro, vindo logo a escolher o cavaquinho para tocar (foi quando ganhou o apelido que o acompanharia para sempre). Tomava o instrumento emprestado dos amigos, já que não tinha dinheiro para comprar um.

Aprendeu-o rápido. Com o tempo, passou a dar "quedas" nos velhos chorões. A "queda" se dava quando o solista modulava a melodia de um modo tal, que os acompanhantes se atrapalhavam ao tentar achar uma nova posição. Nesse período, Nelson compôs os choros "Queda" e "Gargalhada" (este, em homenagem ao mestre Juquinha, que ria a valer toda vez que lhe dava uma "queda"). E acabou ganhando seu primeiro cavaquinho, de um jardineiro português chamado Ventura, admirador de sua habilidade no instrumento.

Aos 21 anos, desempregado, além do cavaquinho Nelson só tinha uma namorada. Chamava-se Alice, e a família dela o pressionou a se casar. Mas a boemia já o arrebatara. Por conta de suas saídas sem hora para voltar – e do gênio da esposa –, o casamento, depois de muitas brigas, acabou após sete anos. Logo em seguida à separação, Alice morreu, e os filhos do casal – três – passaram a ser criados pelos avós maternos de Nelson.

Nelson descobre a Mangueira



Quando Nelson Cavaquinho se casou, seu pai lhe conseguiu um emprego na cavalaria da Polícia Militar, onde trabalhou por sete anos. Obrigado a dar patrulha nas madrugadas, ele acabou conhecendo o morro de Mangueira, vindo aí a conviver com sambistas como Cartola, Carlos Cachaça, Zé da Zilda e outros. Começou a compor sambas (começando por "Entre a Cruz e a Espada") e trocou o cavaquinho pelo violão.

O emprego na polícia, portanto, serviu-lhe de passaporte para a boemia. Em uma noite de farra, Nelson chegou a perder-se do seu próprio cavalo. Teve de voltar de bonde e, ao entrar disfarçadamente na guarnição, tomou um susto ao ver o cavalo comendo a ração tranquilamente. O animal havia voltado sozinho para o quartel. "E não é que o danado ’tava rindo de mim?", diria, anos mais tarde, o compositor...

"Samba, bebida, violão e Mangueira: eu só queria saber disso, mais nada", contaria também, sobre a vida que então levava. Nelson convivia com malandros e marginais. Em vez de frequentar o Café Nice, onde os profissionais da música popular brasileira nos anos quarenta travavam conhecimento e resolviam negócios, ele ficava no Cabaré dos Bandidos, botequim próximo ao Nice, assim chamado pelo tipo de gente que frequentava o lugar.

Não deixava de compor, mas não se preocupava com a gravação e veiculação de suas músicas. Por isso mesmo, muitas delas esperariam muito tempo para serem gravadas: ele não se dispunha a batalhar para que os cantores as conhecessem e viessem a cantá-las. Enquanto isso, vivia de bicos e da venda de seus sambas.

A longa fase de marginalização



As primeiras gravações de composições de sua autoria ocorreram na década de quarenta, por Ciro Monteiro. O excepcional sambista foi o grande lançador de Nelson. Em 1943, gravou "Apresenta-me Aquela Mulher" (assinado com Augusto Garcez e G. Oliveira) e "Não Te Dói a Consciência" (com Garcez e Ary Monteiro). Em 1945, "Aquele Bilhetinho" (com Garcez e Arnô Carnegal). E em 1946, "Rugas" (com Garcez e Monteiro), o primeiro sucesso do compositor.
Um ano antes, Dalva de Oliveira já havia registrado "Palhaço" (com Oswaldo Martins e Washington Fernandes). Porém, nos anos seguintes – e até os anos sessenta –, Nelson seria apenas esparsamente gravado. Roberto Silva, por exemplo, lançou "Notícia" (com Alcides Caminha e Nourival Bahia) em 1954 e, e sete anos depois, "Degraus da Vida" (com César Brasil e Antônio Braga) – que seria relançada, em 1970, por Orlando Silva.

No início dos anos cinquenta, Nelson Cavaquinho conheceu Guilherme de Brito, que viria a se tornar o seu principal parceiro. Guilherme era compositor de verdade (e não um comprador de parcerias). Com ele Nelson criaria alguns de seus sambas que se transformaram em grandes clássicos da música brasileira.

O reconhecimento afinal




No início da década de sessenta, Nelson Cavaquinho frequentava o Zicartola, misto de restaurante e casa de shows, de Cartola e sua esposa, Dona Zica. O Zicartola funcionava como ponto de encontro entre os músicos da cidade – os bossa-novistas – e os do morro. Corria o período conhecido como segunda fase da bossa-nova, caracterizada pela revalorização do samba tradicional.

Nelson, Cartola, Zé Kéti e Élton Medeiros tiveram então suas músicas gravadas pela musa do movimento, Nara Leão, em seu primeiro disco, de 1964. De Nelson, o samba escolhido foi "Luz Negra" (com Amâncio Cardoso). No ano seguinte, Nara voltou a gravá-lo: "Pranto de Poeta" (com Guilherme de Brito).

Também em 1965, outra cantora de destaque na época, Elizeth Cardoso, registrou "A Flor e o Espinho" (com Guilherme) e "Luz Negra", no seu LP "Elizeth Sobe o Morro". As duas faixas apresentaram pela primeira vez os sons peculiaríssimos do violão (na primeira) e da voz (na segunda) de Nelson.

No mesmo ano, saiu um LP somente com músicas do compositor, lançado pela cantora baiana Telma Soares. Em "Telma Canta Nelson Cavaquinho", o homenageado cantou em três faixas.

Em 1968, Nelson participou do LP "Fala Mangueira", produzido por Hermínio Bello de Carvalho e dividido com Cartola, Clementina de Jesus, Carlos Cachaça e Odete Amaral. Em 1969, ele se transformou em tema de um curta-metragem do cineasta Leon Hirszman, "Nelson Cavaquinho".

Somente na década de setenta, o compositor começou a gravar seus próprios discos e a se apresentar em shows com frequência. Nelson lançou três LPs individuais, em 1970, 1972 e 1973. Neste ano, "Folhas Secas", dele e Guilherme, obteve ótima popularidade na voz de Elis Regina.

Em 1977, ele repartiu com Guilherme, Candeia e Élton Medeiros o disco "Os Quatro Grandes do Samba", em que cantou três músicas, uma das quais "Notícia". Dentre os espetáculos que fez, o que mais o destacou foi o realizado para o Projeto Pixinguinha, em 1978, ao lado de Beth Carvalho. A cantora, responsável pela gravação de sua "Quero Alegria" (com Guilherme), se tornara sua amiga e uma das maiores divulgadoras de seu trabalho.

Ao lado de Elis, Beth – que também pôs em disco "Folhas Secas" e "Miragem" (outra com Guilherme) – foi, nos anos setenta, um dos nomes da nova geração da música brasileira a descobrir e a gravar Nelson Cavaquinho. Além dela, Paulinho da Viola registrou "Depois da Vida" (com Guiolherme e Paulo Gesta) e "Duas Horas da Manhã" (com Ary Monteiro). Chico Buarque, "Cuidado com a Outra" (com Augusto Tomás Júnior). E Clara Nunes, "Minha Festa", "O Bem e o Mal" (ambas com Guilherme) e "Palhaço".

Esses acontecimentos na carreira de Nelson lhe trouxeram, além do reconhecimento como artista, uma vida mais tranquila. A situação econômica melhorou, propiciando-lhe comprar uma casa em Vila Esperança, na periferia do Rio. Para completar, ele se casou com Durvalina – que o levou a diminuir o consumo de bebidas e cigarros até a total abstinência. Durvalina foi a sua última mulher e, segundo o parceiro e amigo Guilherme, "deu um jeito na vida dele".

Em 1985, um ano antes de morrer, uma festa na quadra da Mangueira marcou o lançamento do disco "As Flores em Vida", feito em sua homenagem. Nele, cantaram suas músicas Chico Buarque, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, João Bosco, Toquinho, Christina Buarque e Carlinhos Vergueiro, também produtor do álbum. Além do próprio Nelson, intérprete em quatro faixas.

"O rei de vagabundo"



Entre a primeira mulher e a última, Nelson Cavaquinho teve muitos amores. Cabe aqui uma menção a Lígia, grande paixão na vida do sambista. Era uma mulher pobre, sem teto, que dormia na praça Tiradentes, um dos locais prediletos de Nelson, aos pés da estátua de Pedro I.

Os dois bebiam até acabarem num banco de praça, de porre, dormindo. Segundo o parceiro Guilherme de Brito, "ele só se chegava a essa gente assim". O amor chegou a um ponto tal, que Nelson tatuou o nome de Lígia no seu ombro direito, motivo de sua canção "Tatuagem", que diz: "O meu único fracasso/ Está na tatuagem do meu braço".

Amigo dos aflitos, poeta sem lei, convivendo com prostitutas e mendigos, Nelson quase sempre foi o "rei vagabundo" como ele mesmo se autodenominou no samba homônimo. Manteve-se na ativa como boêmio na maior parte de sua existência. Passava às vezes três noites e três dias seguidos fora de casa, bebendo muito, sem nunca perder a pose, e comendo pouco.

Desse modo, tornou-se figura lendária no Rio de Janeiro, sobre quem se contam histórias tocantes e pitorescas. Como a da galinha morta, que, consta, ficou dias no estojo do violão sem que ele percebesse. Assim era Nelson Cavaquinho, totalmente desprendido das coisas materiais, o rei vadio, nosso sambista com espírito de roqueiro, underground avant la lettre.

A morte, musa de muitas canções, originou uma das mais conhecidas histórias do compositor, que ele próprio contaria. Numa madrugada, voltara para casa de pileque. "Eu sonhei que eu ia morrer às três horas da manhã, e o relógio despertou às duas e meia. Eu disse: ‘É hoje que o Nelson vai embora’. Aí o ponteiro subindo, subindo, e eu bolando tanta coisa. Tou pensando um troço aqui, vamos ver se dá certo. Quando o ponteiro marcou cinco para as três, eu atrasei o ponteiro para meia-noite e disse: ‘Eu não vou nessa de maneira nenhuma’."

Porém, não naquele dia, mas a 18 de fevereiro de 1986, Nelson Cavaquinho morreu de enfisema pulmonar em sua casa. Seu corpo foi velado em Mangueira, onde, segundo um samba dele e de Guilherme de Brito (o famoso "Pranto de Poeta"), "quando morre um poeta, todos choram". Todos choraram.


Obra

Único, inconfundível, original



A voz negra, rouca e suja. O toque rústico do violão. As cordas graves – a baixaria – conduzindo a harmonia. As melodias tristes de contornos incomuns. Os temas da morte e do sofrimento repetidos obssesivamente. As imagens e resoluções poéticas insólitas. Estas características se combinam na obra de Nelson Cavaquinho, formando um todo único, indissociável, e conferindo ao sambista um lugar especial entre os artistas mais originais da música popular brasileira de todos os tempos.

Nelson Cavaquinho foi contemporâneo dos principais nomes da chamada era de ouro da música popular brasileira, que durou dos anos trinta até o início da década de quarenta. Ao contrário daqueles, porém, ele permaneceu na condição de marginalizado durante a maior parte de sua carreira. O cantor e compositor não se preocupava com a comercialização de suas músicas, preferindo tocar e cantar, como um trovador urbano, nos bares, pelas madrugadas.

Por isso, muitos de seus sambas ficaram longo tempo no ineditismo, até serem gravados – casos de clássicos como "Luz Negra", "Rugas" e "Palhaço". Suas músicas foram apenas eventualmente registradas em disco até os anos sessenta. Foi quando ele começou a obter o devido reconhecimento, com a redescoberta dos sambistas de morro pelos bossa-novistas da segunda geração. Naquela década e na seguinte, Nelson viveu finalmente o ponto alto de sua carreira.

No início dos anos setenta, no auge desse processo, ele já era sexagenário.


Guilherme de Brito, o parceiro ideal



Na obra de Nelson Cavaquinho ressaltam, em quantidade e em qualidade, as músicas que ele fez com um de seus vários parceiros, o mais importante deles: Guilherme de Brito. Ao iniciarem seu trabalho, nos anos cinquenta, os dois fizeram um pacto de só comporem juntos, formando uma dupla que bem poderia ser chamada "o Lennon e McCartney do samba".

Enquanto Nelson era um boêmio de passar dias e noites seguidas nos bares, Guilherme, opostamente, trabalhou na Casa Edson (antiga fábrica de discos) durante trinta anos. Mas a afinidade estética superou as diferenças de comportamento, e eles produziram uma série de sambas antológicos – um deles, o famoso "A Flor e o Espinho", que possui um dos inícios mais fortes e surpreendentes dentre as canções já escritas em língua portuguesa: "Tire o seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor".

Da dupla nasceram ainda, entre outros: "Folhas Secas", "Pranto de Poeta", "O Bem e o Mal" e "Quando Eu Me Chamar Saudade". No trabalho da dupla, não havia rigidez na divisão de papéis. Ambos faziam letra e música e, segundo depoimento de Guilherme de Brito, "no final ele passou a fazer a melodia, e eu a letra". Em "A Flor e o Espinho", por exemplo, a primeira parte é de Guilherme, e a segunda, de Nelson.

Os outros parceiros de Nelson, anteriores a Guilherme, foram ocasionais, e muitos entraram na parceria em troca de favores, como era costume na época. Algumas exceções foram Jair do Cavaquinho, da escola de samba Portela, com quem ele compôs "Eu e as Flores", e Cartola, companheiro de boemia e de Mangueira, co-autor de "Devia Ser Condenada".

A parceria com Zé Kéti é curiosa: como pertenciam a sociedades arrecadadoras diferentes, não podiam assinar conjuntamente uma composição, segundo uma regra vigente na época. Por isso, a Nelson (e a dois outros, José Alcides e José Ribeiro de Souza) foi creditado o samba "Nome Sagrado", também de Zé; e a este, sozinho, "Meu Pecado" (gravado por Paulinho da Viola), composto pelos dois.

O tema da morte



A morte é obsessão na obra de Nelson Cavaquinho. Eis um dos maiores fatores de originalidade em sua arte: não se encontra, entre os compositores brasileiros, um outro que tenha feito desse – um assunto difícil por excelência – o tema principal de suas obras, sendo isso raro também na música popular de qualquer país.
Em Nelson, a angústia da morte e a efemeridade da vida incidem, às vezes inesperadamente, em canções falando de amor ou da escola de samba do compositor ("Folhas Secas", por exemplo). Mesmo um símbolo poético como a flor – comumente associado à feminilidade, à mulher, à delicadeza – pode se apresentar na sua conotação funérea. Como em "Eu e as Flores": "Quando eu passo perto das flores/ Quase elas dizem assim:/ ‘Vai, que amanhã enfeitaremos o seu fim’".

A que poeta ocorreria a inspiração – levada à ousadia – de fazer um samba revelando ter dado enfim o beijo há tanto tempo esperado em sua amada, agora que ela está morta, no caixão? Pois foi o que Nelson Cavaquinho – e Guilherme de Brito – fizeram, em "Depois da Vida" (gravada por Paulinho da Viola, em 1971).


O conflito básico presente nas letras dos seus sambas pode ser sintetizado no paradoxo final de "Rugas": "Feliz daquele que sabe sofrer". A consciência de que ser feliz consiste apenas em administrar o sofrimento e a tristeza leva à crença num cristianismo popular e pessimista, no qual a caridade é uma virtude. A todos só restaria levar a vida tendo compaixão uns dos outros; afinal existir é sofrer, e viver bem é sofrer sem demonstrar. A única saída, portanto, se torna o descanso final, a morte, paradoxalmente também fonte de sofrimento, pois implica perda.

Abordando a morte ou não, Nelson transforma o lugar-comum em incomum. O imprevisto caracteriza também várias outras imagens lançadas nas letras curtas e fortes, ao mesmo tempo simples e surpreendentes, de seus sambas: "A luz negra de um destino cruel/ Ilumina o teatro sem cor/ Onde estou desempenhando o papel/ De palhaço do amor", canta ele, em "Luz Negra". Letras despojadas na construção, mas ricas nas novas realidades que cria.


O significado de Mangueira

Nelson Cavaquinho começou sua história musical como um chorão – provavelmente vem do choro a imprevisibilidade de suas melodias. Nessa fase, seu instrumento era o cavaquinho: daí o apelido com que ficou conhecido.
Foi num segundo momento que ele conheceu o morro de Mangueira, devido a seu emprego como soldado da cavalaria da Polícia Militar do Rio de Janeiro. O contato com Cartola, Carlos Cachaça e outros bambas mangueirenses o transformou definitivamente num sambista.

Só então seu instrumento passou a ser o violão. Nelson o tocava de uma maneira muito especial: beliscando as cordas com o indicador e o polegar, tirando assim um som único – uma das principais peculiaridades de seu personalíssimo trabalho.

Mesmo tendo residido em Mangueira por apenas um ano e meio, a ela o compositor dedicou vários sambas, entre eles "Sempre Mangueira", "Pranto de Poeta", "Folhas Secas" e "A Mangueira Me Chama". A Mangueira está para Nelson Cavaquinho assim como a Vila Isabel está para Noel Rosa, e a velha cidade de Salvador para Dorival Caymmi: trata-se de pátria utópica, motivo de canção e morada ideal do poeta.


Os principais intérpretes

Ciro Monteiro foi o primeiro grande intérprete da obra de Nelson Cavaquinho, responsável pelo seu primeiro sucesso como compositor, com a gravação de "Rugas", em 1946. Dentre os cantores da mesma geração, Dalva de Oliveira ("Palhaço") e Roberto Silva ("Notícia") também lançaram importantes composições do sambista.

Nos anos sessenta, Nara Leão ("Luz Negra" e "Pranto de Poeta") e, em seguida, Elizeth Cardoso ("A Flor e o Espinho" e "Luz Negra") deram início a uma onda de descoberta e gravação de seus sambas. Esse processo veio a se realizar de fato na década seguinte.

Um número crescente de cantores da MPB passou então a incorporá-lo a seus repertórios. Entre eles, tornaram-se grandes divulgadores de sua obra os sambistas Paulinho da Viola ("Depois da Vida", "Duas Horas da Manhã"), Clara Nunes ("Minha Festa", "O Bem e o Mal") e Beth Carvalho ("Folhas Secas", "Miragem"). Elis Regina fez de "Folhas Secas" um grande sucesso, e Chico Buarque lançou "Cuidado com a Outra".

Nos anos noventa, a jazzista Leny Andrade lhe dedicou um songbook, "Luz Negra – Nelson Cavaquinho por Leny Andrade". Em 2000, a musa das novas gerações Marisa Monte registrou um de seus sambas com Guilherme de Brito: "Gotas de Luar".

O próprio Nelson só passou a gravar discos individuais nos anos setenta. E, no entanto, é ele, acompanhado apenas do seu violão, "sempre colado ao peito tão amargurado", o melhor intérprete de si mesmo.

É impressionante a organicidade que se estabelece entre canto, acompanhamento, música e letra, quando ele interpreta seus sambas. O tema da morte e o tom de amargura que caracterizam os textos têm a sua correspondência no timbre da voz desafinada e na crueza do som do violão. Tudo – palavras e sons – parece falar a mesma coisa. Não é comum se observar isso com tanta densidade e intensidade.

Aqui, merecem lembrança os nomes de Dorival Caymmi, na música brasileira, e Robert Johnson, o grande criador do blues rural, na música norte-americana (ao qual, aliás, o poeta Augusto de Campos associou Nelson Cavaquinho). São dois outros exemplos dessa classe rara de compositores-cantores que interpretam suas criações com uma inteireza, uma integridade e uma expressividade tais, que ninguém mais – por melhor que seja o cantor – pode fazê-lo.


Antologia de versos

"Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com minha dor" ("A Flor e o Espinho", com Guilherme de Brito e Alcides Caminha)

"A luz negra de um destino cruel
Ilumina o teatro sem cor
Onde estou desempenhando o papel
De palhaço do amor" ("Luz Negra", com Amâncio Cardoso)

"As rugas fizeram residência no meu rosto" ("Rugas", com Ary Monteiro e Augusto Garcez)


Discografia Nelson Cavaquinho
  • Depoimento do Poeta (Discos Castelinho) (1970)
  • Nelson Cavaquinho - série documento (RCA Victor) (1972)
  • Nelson Cavaquinho (Odeon) (1973)
  • As Flores em Vida (Gravadora Eldorado) (1985)

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