Depois de 30 anos de composição, este portoalegrense resolveu se aventurar como intérprete de suas próprias canções. O resultado dessa "hora da verdade" é um álbum coeso com os genuínos ritmos do Brasil e da américa platina.
Por Bruno Negromonte
O nome deste gaúcho que nos concedeu esta exclusiva entrevista já esteve presente em outras oportunidades aqui no Musicaria Brasil; dentre as pautas relacionadas ao nome de Raul Boeira podemos destacar a primeira matéria, quando tivemos a chance de trazer ao nosso público um pouco de sua biografia como compositor e como intérprete de suas criações, com o lançamento de seu primeiro álbum intitulado "Volume 01" e que por nós foi abordado a partir da pauta "UM GRANDE ACHADO CULTURAL: RAUL BOEIRA". Quem não teve a oportunidade de ler a reportagem publicada recentemente em nosso espaço, vale a pena conferir e conhecer um pouco mais sobre este grande talento da música brasileira radicado em Passo Fundo (RS).
A primeira pergunta talvez seja a que você mais tenha ouvido desde o lançamento do “Raul Boeira – Volume Um”. Por que tanto tempo para a gravação deste primeiro álbum?
Raul Boeira - Acho que a principal culpada por essa demora foi a minha autocrítica. Fiz cento e tantas canções nesses anos todos, mas o disco é a hora da verdade, hora de jogar tudo pro alto e ver o que fica na peneira, o que tem algum valor, o que possa interessar ao ouvinte.
Como se deu a escolha desse repertório autoral dentro dessa variedade de opções nesses mais de 30 anos de composição?
RB - Optei por canções que evidenciassem que a minha composição parte do violão e que o disco mostrasse variedade rítmica. Que tivesse letras enxutas, diretas, não datadas e sem ranço de qualquer espécie. Enfim, procurei mostrar que acredito na canção brasileira.
É impressão minha ou as músicas apresentadas em “Raul Boeira – Volume 01” se diferem da chamada MPG (Música Popular Gaúcha) em diversos aspectos talvez por procurar trazer um repertório de viés mais “universal” dentro dos gêneros brasileiros e dos pampas?
RB - Não consigo me enquadrar dentro da tal MPG. Ela surgiu no Rio Grande do Sul na metade da década de 70, como uma tentativa de criar uma música brasileira diferenciada, com uma cara sulina. Só que o meu ouvido musical começou a se formar bem antes disso, pelo rádio, desde o início dos 60... bossa nova, música orquestrada americana, tropicalismo, aqueles festivais... Então, quando comecei a tocar violão, lá por 73, intuitivamente parti em direção à harmonia mais elaborada oriunda da bossa nova, aos ritmos mais vibrantes, como os nordestinos e o samba. Eu não tenho nenhuma intimidade com os ritmos tradicionais gaúchos, nem com a temática nativista. Não conheço a vida campeira. Nunca me reconheci dentro dessa realidade. Eu não sou MPG, sou MPB.
Nessa “hora da verdade” (como você definiu a gravação deste primeiro álbum) você se diversifica a partir da gravação de diversos temas e ritmos como xotes, sambas, candombes entre outros sem perder a sua identidade e qualidade musical. Como foi possível a construção dessa unidade rítmica de qualidade em sua formação musical e consequentemente em sua composição?
RB - Eu sempre fui um ouvinte da canção brasileira. Mas também sempre fui e continuo sendo um apaixonado pelo jazz e pela música instrumental brasileira. Acho que isso me tornou mais exigente em relação à minha composição. A variedade rítmica não deixa de ser também um reflexo dessa minha disposição em conhecer/ouvir de tudo, em estar aberto às manifestações musicais que vem de todas as partes, em especial àquelas em que se percebe a presença da mão negra. Ultimamente, ando ouvindo muito o candombe, que é um ritmo uruguaio criado pelos negros de Montevidéu.
A gravação aconteceu em um dos templos musicais de nosso país que foi o estúdio “Nas nuvens” e de quebra você ainda conseguiu reunir Lula Galvão, Celso Fonseca, Torcuato Mariano, André Vasconcellos, Sidinho Moreira, Firmino, Dudu Trentin, Marcelo Martins entre outros grandes nomes do primeiro time de nossa música popular brasileira. Por que a escolha da gravação do álbum no Rio de Janeiro e como foi possível reunir tanta gente talentosa em um único álbum?
RB - Eu não poderia pensar em outra pessoa para produzir e dirigir o projeto que não fosse Dudu Trentin. Somos amigos desde 79, temos muitas afinidades musicais. Já nessa época trocávamos lps e fitas cassete de Hermeto, Gismonti, Joe Pass, John McLaughlin, Miles, Zawinul... Depois de ele deixar o sul, trabalhou em Viena por muitos anos, voltando mais recentemente ao Rio, onde passou a trabalhar na produção de trilhas para cinema e telenovelas, o que o colocou em contato com o Liminha, do Nas Nuvens, e todos esses craques que se tornaram seus amigos e que vieram tocar no Volume Um. Quando Dudu me falou que o Vitor Farias seria o técnico de gravação, eu não acreditei... o cara é simplesmente o melhor do Brasil! Eu já tinha os primeiros discos de Ricardo Silveira, lá nos anos 80... e agora ele está no meu disco!. E Torcuato Mariano, Lula Galvão, Celso Fonseca... Só mesmo o Dudu.
Gilberto Gil certa vez definiu o processo de criação de uma composição como algo muitas vezes tirano por não saber em quanto tempo a canção ficará pronta e se ficará pronta. Como se dá especificamente o seu processo de criação de uma composição? Qual o seu método de compor?
RB - O Gil é um pensador, um filósofo e quase sempre está com a razão. Definiu bem: é uma tirania mesmo. Já fiz canções a partir da letra. Hoje, prefiro compor a partir da música, deixando a métrica musical fluir livre, desatrelada da métrica, quase sempre regular, das letras. Uma frase melódica que surge, um arpejo ou um groove podem ser o ponto de partida pra composição. Depois de definidas a melodia e a estrutura básica do tema, passo a pensar no texto. Tenho melodias prontas há vinte anos aguardando a letra.
Segundo nossa atual ministra da cultura, Ana de Hollanda, as músicas tocadas à exaustão pela maioria das emissoras não são representativas da produção artística nacional. Qual a sua opinião como cantor e compositor?
RB - É inacreditável! O país que inventou o choro, o samba, o baião, a bossa nova está agora produzindo e consumindo esse lixo sem fim. E a formação do ouvinte do amanhã? As crianças que hoje estão ouvindo nossas rádios e tvs vão crescer acreditando que isso é a música brasileira. É uma questão de educação. Mas alguém está realmente se importando com isso? Agora, por exemplo, estou chocado com uma notícia: a Universidade de Passo Fundo, aqui no Rio Grande do Sul, esteve apoiando um show de Chitãozinho e Xororó no dia das mães...
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