Pai dos Bonecos gigantes de Olinda, Sílvio Botelho conta a briga judicial para retomar a casa na Rua do Amparo que servia como oficina e museu.
Os bonecos gigantes do carnaval de Olinda adoram o sol de outubro. Até o mês passado, todos eles, que ainda moram no número 49 da Rua do Amparo, não podiam frequentar o terraço, no quintal, para receber o carinho da manutenção por conta das chuvas. Seu criador, o artista plástico Sílvio Botelho, fala dos bonecos como se fossem da família. "Retoco o cabelo de nylon, troco a roupa, refaço a maquiagem já para o carnaval de 2011". A preparação é cuidadosa, mas virou tarefa pequena diante da batalha judicial que trava há cinco anos e sete meses para recuperar o endereço que dividia com suas obras. "A Prefeitura de Olinda me despejou, junto com outros três moradores, em 6 de fevereiro de 2005, alegando risco de desabamento", recorda. Era sexta-feira de carnaval. "O pior pesadelo de um carnavalesco, ficar sem teto durante a folia".
A partir dali, Sílvio precisou lidar com a desistência de pagamento dos patrocinadores, além da falta de moradia. "Começou a fase de visitas a políticos, busca de resposta da prefeitura e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)", lista. Trabalhou em alguns galpões emprestados até decidir deixar os bonecos no lugar onde sempre moraram. "A luta é intensa. Até ganhei um problema cardíaco". Enfrentou tentativa de incêndio e outra de roubo. A odisseia, diz, não tem prazo para terminar. Enquanto isso, ele tenta manter a motivação planejando o 24º encontro de bonecos gigantes de Olinda, em fevereiro.
Ele reclama do descaso pelo marketing cultural criado para a cidade. "Recebia cerca de 10 mil visitantes na Casa dos Bonecos todos os anos. Mantinha um projeto social independente. Hoje, recebo um auxílio-moradia de R$ 130", protesta, mostrando uma pilha de documentos. No seu acervo pessoal também existem documentários da TV Viva exibidos no Canal +, da França, recortes de revistas internacionais e muitas pesquisas sobre a confecção de bonecos no mundo.
Além do talento manual, Sílvio conhece a genealogia de cada personagem do carnaval e de outros ritos da cultura pernambucana. Ficou amigo da folclorista norte-americana Katarina Real, que freqüentou o Recife nos anos 1950 para mapear as festas populares. "Consegui trazer com ela a boneca joventina, a calunga de Dona Santa, do Maracatu Leão Coroado, de volta ao estado". A peça foi dada de presente e, agora, vive no Museu do Homem do Nordeste, em Apipucos. Algumas dessas histórias, ele conta na entrevista da próxima página. (Phelipe Rodrigues)
As máscaras de carnaval produzidas por Sílvio Botelho, ainda na infância, eram as mais cobiçadas do Carnaval de Olinda. "Colocava minha irmã, Glória, deitada no chão. Moldava o papel machê no rosto dela, que passava horas respirando por um canudo", lembra. Depois acrescentava cabelo de sisal e levava na casa de Roque Fogueteiro, o maior alquimista que a Cidade Alta já conheceu. "Ele morava na Rua Bertioga, no Carmo. Era meu árbitro de bom gosto". Ninguém jamais ultrapassou a porta da casa de Roque. "Ele produzia fogos. Mantinha um paiol em casa. Se acontecesse um incêndio ali, Olinda inteira sumiria", conta, espantado.
O mestre ensinou a Sílvio que o improvisar dependia de muita pesquisa. "Quando nasceu meu primeiro boneco, o Menino da Tarde, em 1974, fui buscar informações sobre todos os personagens do carnaval nos livros de folclore". Conta que a festa pernambucana traz muitos elementos da folia italiana de Viareggio, na região da Toscana. Sílvio é uma enciclopédia e uma máquina de produzir. Em 36 anos, já criou mais de 800 figuras gigantes. "Continuo desenvolvendo pesquisas com várias fibras, como a da bananeira, para tornar os bonecos mais leves". Os estudos ficaram mais raros por conta da briga na Justiça para ter sua casa na Rua do Amparo de volta. "Mas nunca vou deixar de me dedicar ao carnaval".
Entrevista:
Como você ingressou no carnaval?
Sílvio - Nasci na cidade alta, em Olinda. Por isso, sempre acompanhei a folia. Na infância, já fazia máscaras de carnaval com papel machê. Depois virei carnavalesco e até fundei o bloco Espanadores, com alguns amigos em 1974. O mesmo ano em que surgiu meu primeiro boneco, o Menino da Tarde. Criava as fantasias da escola Oriente, depois, por muitos anos, para a Marim dos Caetés. Fui convidado para a Pitombeira. Consegui destaque no Brasil inteiro até decidir me dedicar apenas aos bonecos gigantes.
Algumas pessoas contam que Clóvis Bornay, a figura mitológica dos desfiles de fantasias no Rio, chegava a pedir dicas a você. A história é verdadeira?
Sílvio - Clóvis Bornay era um gênio. Não tinha preconceito nem se considera inatingível. Nos anos 1980, viu uma fantasia criada por mim e enviou um desenho para que eu julgasse. Me senti honrado, mas fiz as minhas considerações. Tive a sorte de conhecer muita gente importante do carnaval. Cheguei a passar um mês na Beija-Flor ao lado de Joãosinho Trinta. Fui amigo da folclorista norte-americana Katarina Real, que morava no Novo México, mas mantinha contato intenso com Pernambuco.
Katarina Real trouxe de volta a calunga de Dona Santa, do maracatu Leão Coroado, para o Museu do Homem do Nordeste. Também é uma passagem verídica?
Sílvio - Quando fui visitar Katarina Real, no Novo México, ela me mostrou a boneca joventina do maracatu Leão Coroado, que pertencia à rainha Dona Santa. Tinha o cuidado de manter um umidificador sempre funcionando para conversar aquele artefato luxuoso, que tem o colar confeccionado em topázios. Quando ela morresse, o que aconteceu em 2006, a boneca seria absorvida pela coleção do Museu do Novo México. Mas ela fez tudo para que a calunga fosse devolvida. Hoje, está no acervo do Museu do Homem do Nordeste.
Você sempre dedicou tempo e energia ao carnaval de Olinda. Não fica triste por conta da luta que mantém para retomar a casa na Rua do Amparo?
Sílvio - Durante esses anos, me estressei a ponto de ficar com problema cardíaco. Mas sou viciado no carnaval e apaixonado por Olinda. Acho, no entanto, que minha história deveria ser respeitada. Entendi que a casa precisava passar por uma vistoria. Mas precisava ser na sexta de carnaval? Logo no ano que consegui a maior verba para colocar os bonecos na rua? Hoje, recebo um auxílio-moradia de R$ 130. Nunca houve a tentativa de me oferecer um espaço para montar o Museu dos Bonecos.
Hoje, o que você tem feito para sobreviver?
Sílvio - Minha renda vem das apresentações com bonecos gigantes. Consegui contato com prefeituras do interior. Também faço oficinas. Cheguei a trabalhar no meio da rua. Agora, a maior colaboração foi dada por Roberval Sampaio, do Sítio das Artes, que expõe os bonecos em seu Sítio das Artes. Os clientes fazem doações para as obras e ele me repassa sempre esse valor.
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