Por Bruno Negromonte
Na primeira audição, o que chama a atenção no trabalho da Daniella Alcarpe são as características tão peculiares das diversas regiões existentes em nosso país. O seu trabalho perpassa pelos ritmos das mais variadas regiões de nosso Brasil, e esse regionalismo acaba por fazê-la universal. Com seu canto suave, Alcarpe envolve nos de corpo e alma em seu trabalho de estreia. Sua voz nos guia a outras vertentes culturais e, no caso dos aspectos literários, faz-nos ter a plena convicção que nem Graciliano Ramos nem muito menos Guimarães Rosa (logo eles, autores tão representativos do regionalismo em nossa literatura) se vivos não seriam capazes de mensurar em suas respectivas obras o talento incontestável de Alcarpe em seu primeiro trabalho. Talvez por se tratar de algo tão simplório, mas paradoxalmente de um requinte irrepreensível.
Alcarpe iniciou seus estudos musicais ainda criança e, desde então, sempre procurou aperfeiçoasse ao longo dos anos. Formada em Música pela Faculdade de Artes Alcântara Machado (FMU/FAAM), a artista passou por diversos conservatórios paulistas, dentre eles o Conservatório Musical Souza Lima (renomado centro de estudos relacionado a música no estado de São Paulo). Ainda hoje, estuda técnica vocal com o cantor lírico Jeller Filipe (o brasileiro que mais cantou a obra de Mozart), tendo por propósito o aprimoramento de seu canto voltado à música popular. Vale ressaltar que esse seu primeiro álbum trata-se de um projeto que vem sendo lapidado há algum tempo, uma vez que Daniella vem no mercado musical alternativo galgando o seu espaço a partir de diversos projetos, dentre os quais o Trio Dellaz. Soma-se também a sua biografia uma breve temporada na Europa (Itália e Holanda), onde a artista procurou levar a estes países muito daquilo que há de melhor em nosso cancioneiro ao longo desse período.
A partir da receptividade do público Europeu, Daniella voltou ao Brasil mais disposta do que nunca em divulgar aquilo que tanto a enchia de orgulho em pairagens distantes. Em sua terra, a artista procurou trazer para o seu trabalho o que de melhor ela tem a oferecer. E o resultado dessa oferta visceral traduz-se em “Qué que cê qué?”. Quem tiver a oportunidade de conhecer este trabalho, poderá observar que a cantora vive em uma constante busca pela primazia da beleza e qualidade, seja no repertório, seja na sonoridade presente naquilo que costuma fazer. Por falar em repertório, o seu é composto por versões de antigos clássicos da MPB e também de canções inéditas, tudo isso sendo amparada por compositores contemporâneos que ainda são desconhecidos do grande público, no entanto “Qué que cê qué?” buscou prezar pelo ineditismo.
A verdade é que há um fundamento convincente na afirmação existente no início deste texto: o regionalismo presente no trabalho da Daniella Alcarpe a faz universal, e talvez por esta condição ela tem conseguido cada vez mais firmarse no cenário musical brasileiro, com um repertório requintado e diversificado. Neste primeiro álbum Daniella já é capaz de mostrar a partir de sua autenticidade para o que veio e o que tem a contribuir para a nossa música popular brasileira de agora em diante. Esta sua estreia no mercado fonográfico, que veio de forma independente, já pode ser considerada um marco na carreira da cantora, pois poucos são os artistas que conseguem prender a atenção daquele que escuta um álbum do começo ao fim como é o caso de “Qué que cê qué?”, da Daniella. Esse álbum é daqueles poucos discos existentes que procuram ir nas entranhas da mais tradicional musicalidade brasileira, revelando para o ouvinte uma cantora de canto marcante a partir de interpretações tão próprias. Como dito, as composições são inéditas e tem como características essa grande diversidade musical tão nossa; por tal razão o repertório passa por uma gama de ritmos, que vão desde os choros, sambas, cocos, toadas e maracatus até cirandas. Em síntese, “Qué que cê qué?” é um trabalho bem elaborado e lindíssimo, que evidencia de modo primordial e bem adornado a questão do regionalismo, sem deixar de lado todas as influências musicais contemporâneas e cosmopolitas que permeiam o canto e o trabalho da Daniella. A escolha do repertório foi a dedo, talvez tendo como critério não apenas a qualidade poética das letras, mas também a riqueza melódica de cada uma das faixas escolhidas e, é claro, a sua identificação pessoal. Talvez seja por isso que cada peça esteja eternizada no álbum a partir de uma interpretação plena de zelo e talento. As canções são assinadas pelo paulista Carlos Careqa (autor de “Qué Que Cê Qué?”, “Meu Querido Santo Antônio”), Dimitri Bentok (“Cantiga antiga”), João Marcondese e Joca Freire (“Outros tempos”), Lucy Casas (“Canção do colo”) e o compositor maranhense Zé de Riba, que assina “Vestidim”, “Não Tenho Culpa Se Você Não Sabe Sambar”, “Mais Um Conselho” e “Caradum Cara do Outro”. Como arranjador e produtor musical quem está a frente é João Marcondes (que tem um trabalho paralelo intitulado “Oferendar”, onde Daniella também participa cantando em uma das faixas presentes no álbum, a canção “Passe bem”).
Ressaltando, a estética musical do CD busca uma sonoridade original, trazendo novos elementos musicais aos já consagrados ritmos brasileiros, em arranjos que utilizam violão de 7 cordas, violão de corda de aço, violão de corda de nylon, guitarra fretless, guitarra semiacústica, bandolim, cavaquinho, percussões, flauta transversal, trombone, saxofone, teclado e baixo. É um disco basicamente acústico. Sem muito me estender, porém já me estendendo, recomendo anotar este nome: Daniella Alcarpe! A dona de um doce canto que emociona e encanta pelo talento e simplicidade. A cantora que vem mostrando um dos mais bonitos trabalhos fonográficos de 2010.
Maiores Informações:
Site Oficial - http://daniella.alcarpe.com.br/
Contatos para shows: producao@alcarpe.com.br
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