Compositor baiano lança disco dedicado ao São João para resgatar a festa junina no Rio, e depois faz turnê no Nordeste.
“Fé na festa”, o 56 álbum de Gilberto Gil, é um retorno às origens do baiano, que já fez sucesso em 2000 com a trilha do filme “Eu tu eles” — aquele do hit “Esperando na janela”.
— Sou egresso do mundo sertanejo, meu primeiro mestre é Luiz Gonzaga. Foi um retorno natural — conta Gil, que homenageia o Rei do Baião em “Aprendi com o rei”.
Os toques autobiográficos não param por aí. Gil faz aniversário em 26 de junho, e invariavelmente comemora com uma festa junina. A data é lembrada em “Vinte e seis”, um “parabéns baião”.
Apenas uma faixa foge ao tom naturalmente festivo do álbum. “Não tenho medo da vida” é uma “canção intrusa”, nas palavras de Gil. A letra, que fala de medo de viver, foi uma provocação do amigo Rogério Duarte, que pediu ao ex-ministro uma resposta a “Não tenho medo da morte” (de seu álbum anterior, “Banda larga cordel”).
— Incluí em “Fé na festa” porque ficou pronta na época da escolha de repertório do CD — justifica. E emenda, provocando: — Não tenho que dar explicações sobre estilo. Sou tropicalista.
Festa do interior
“Fé na festa” é mais que uma trilha sonora das comemorações juninas. Nas canções do CD, Gilberto Gil transporta o público para a tranquila vida do interior. Mesmo em faixas como “Dança da moda” e “Marmundo”, que levanta a bandeira da ecologia, é natural se deixar levar pela voz mansa do cantor e viajar para um mundo de festa.
Pela primeira vez, Gilberto Gil faz um disco direcionado às festas juninas. Ele já havia gravado outros dois discos de forró, As canções de Eu, tu e eles (2000), e São João ao vivo (2001), porém Fé na festa, que lançou na última quarta-feira, com uma coletiva em seu estúdio na Gávea, foi feito com o objetivo de dar a arrancada para o resgate dos festejos, que já foi muito, no Rio de Janeiro, e hoje praticamente não é mais comemorada na cidade – onde, como lembra Gil, “Luiz Gonzaga fez a festa dele”. A arrancada para reviver o São João carioca Gil tratou de organizar, no Jardim Botânico, com um grande forró de lançamento do disco (patrocinado pelo projeto Natura Musical, com selo da Gegê, e distribuído pela Universal Music), comandado por Gilberto Gil acompanhado de convidados como Gal Costa, Alcione. Vanessa da Mata (parceira de Gil em uma das faixas do CD) e Zeca pagodinho.
“Fé na festa, porque o São João é a mais emblemática ds festas brasileiras onde o profano encontra o religioso. Você vai, por exemplo, em Exu, e no átrio da igreja encontra o terreiro onde aconteciam as festas. O Brasil é o País, mais do que qualquer outro, que se ergueu neste diálogo profundo entre o sagrado e o profano. É muito comum se ver no Nordeste, durante as festa juninas, a imagem de São João do Carneirinho”, comenta Gilberto Gil, que aniversaria dois dias depois do São João. Nascido em Salvador, ele foi criado até o começo da adolescência na interiorana Ituaçu, a 524km da capital baiana: “Lá o pessoal rezava a trezena de São João, que terminava no dia 13 de junho. Lá em casa, minha mãe começava no dia 13, para a celebração coincidir com meu aniversário, quando tive a idéia do disco, fiz uma música chamada 26, que quero cantar em Jequié, onde me apresento neste dia”.
Fé na festa é um disco de forró, mas não se guia pela cartilha da ortodoxia que parou no tripé sanfona, zabumba e triângulo. Quando é perguntado o porquê de ter usado instrumentos como violino (do francês Nicolas Krassic) ou guitarra (tocada pelo próprio Gil), ele relembra que é tropicalista: “Há 40 anos eu já usava guitarra. Eu venho do tropicalismo. Quando me propus a fazer este trabalho, quis um disco tradicional, mas que contemplasse as ferramentas contemporâneas. Eu teria dificuldade em fazer um disco totalmente tradicional. Luiz Gonzaga já nos primeiros discos, usava violão de sete cordas, o regional de Canhoto, mais tarde também teve um grupo com guitarras”.
Luiz Gonzaga é invocado durante quase toda entrevista. Quando comenta o patrocínio do Natura Musical, ele remete aos primeiros anos da carreira de Gonzagão. “Ele foi a minha primeira grande influência, a minha grande inspiração, aliás são muitos os herdeiros de Luiz Gonzaga. Ele foi o primeiro grande artista pop nacional, e pioneiro em patrocínios. Nos anos 50, era exclusivo do Colírio Moura Brasil”.
O comentário recai sobre os grandes arraiais nordestino, onde as bandas de fuleiragem music predominam (Calcinha Preta é citada na faixa O livre-atirador e a pegadora). “Não vou entrar no mérito das letras das bandas, até porque alguém pode pegar o Xote das meninas, de Zé Dantas e achar que tem a ver com pedofilia. O que é relevante no caso das bandas é o domínio excessivo, em que o negocial predomina sobre a cultura. Quando o negocial predomina, se perde o balanço. O que acontece com as bandas, aconteceu com o axé na Bahia, onde os trios tomaram tudo. Mas são questões do pós-modernismo. Não são questões exclusiva do Nordeste, nem do Brasil, é global, mundial”.
A maioria das canções de Fé na festa é assinada por Gilberto Gil, algumas com parceiros. De outros autores, gravou A dança da moda (Zé Dantas/Luiz Gonzaga), Aprendi com o rei (João Silva), e Maria minha (Targino Gondim e Eliezer Setton). Depois do show de amanhã, ele vem ao Nordeste, a partir do dia 11, quando canta em Salvador. Em Pernambuco, lança o CD dia 12, em Caruaru, 18, em Arcoverde, e 29, em Salgueiro.
Que bom ver o nosso cantor e compositor de volta à vida musical. Adoro Gil e desde já, me sinto enamorada desse trabalho. Que venham muitos outros!
ResponderExcluirBjs