Compositor reservado, do qual pouco se ouve falar no circo da mídia por conta de sua postura reclusa, Paulo César Pinheiro revela algo de sua personalidade ao detalhar a gênese de 65 de suas estimadas duas mil músicas em Histórias das Minhas Canções, livro lançado neste mês de maio de 2010 pela editora LeYA. É com justificado orgulho que o poeta classifica como obra-prima temas como Matita-Perê (1973), sua primeira parceria com Tom Jobim (1927 - 1994), inaugurada - revela ele no livro - depois que o maestro soberano ouviu Sagarana (1969), parceria de Pinheiro com o violonista João de Aquino, composta em homenagem a Tom. Traços de vaidade, da firmeza ideológica e do caráter boêmio vão sendo esboçados nos relatos à medida em que Pinheiro recorda em narrativa coloquial a origem das 65 músicas que selecionou para abordar no livro. Sincero, o autor não camufla nem os ciúmes entre parceiros - como o que sentiu Vinicius de Moraes (1913 - 1980) ao ouvir num bar de Ipanema a letra de Lapinha, feita por Pinheiro em 1965, aos 16 anos, em cima de melodia lhe confiada por Baden Powell (1937 - 2000). Vinicius, mais tarde, venceria o ciúme e se tornaria amigo de Pinheiro. Que sempre exerceu a poligamia musical, já contabilizando cerca de 150 parceiros. Com Baden, criou sambas cheios de verve como Cai Dentro (1979) - este composto por encomenda de Elis Regina (1945 - 1982) para alfinetar cantora que vinha ganhando prestígio e autoridade no mundo do samba, o que irritou Elis (Pinheiro não revela o nome da cantora, mas é provável que seja Beth Carvalho, desafeto da Pimentinha desde que elas disputaram a primazia de lançar - em 1973 - o samba Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho).
Pelo apego do poeta à boemia, muitas obras-primas nasceram em mesas de bar. Foi o caso de Menino Deus (1974), cuja melodia foi cantarolada entre uma cerveja e outra por Mauro Duarte (1930 - 1989). Fascinado pela beleza da melodia, Pinheiro foi em busca de Duarte num cortiço de Botafogo para ter a oportunidade de criar os versos que seriam imortalizados na voz de Clara Nunes (1942 - 1983) - intérprete também do forte Canto das Três Raças (1976), samba-enredo criado por Paulo com o mesmo Mauro Duarte com a intenção de evocar as tradições melódicas do gênero, à moda dos sambas de Silas de Oliveira (1916 - 1972). Às vezes, relata o compositor, a inspiração pode vir de uma mera palavra de jornal - como Mordaça, musa do samba composto com Eduardo Gudin em 1974. Em outras, a inspiração real acaba ofuscada pelo sentido posterior que uma música pode adquirir. Exemplo é Tô Voltando, o samba que Pinheiro letrou para retratar a saudade que o autor da melodia, Maurício Tapajós (1943 - 1995), sentia de sua casa e de sua família quando viajava em turnê pelo Brasil. Mas que acabou se tornando um dos hinos dos exilados que regressavam ao Brasil naquele ano de 1979, beneficiados pela anistia. Enfim, são muitas as histórias. Quase todas saborosas. Por sua notória habilidade com as palavras, Pinheiro sabe contar um causo. E o mais interessante é que, através das histórias de suas canções, o livro desvenda sua personalidade e, por tabela, também as de seus parceiros mais frequentes. Paira ao longo das 256 páginas a forte ideologia de um compositor que sempre foi fiel a si mesmo, sem jamais ter se submetido às leis frágeis da volátil indústria do disco.
Oi Bruno,
ResponderExcluirExcelente sugestão de leitura. Sou suspeita pois adoro ler e saber das curiosidades de uma pessoa tão especial como esse compositor é bom demais. Já anotei o título.
Bjs
Tem outros compositores nessa série. Uma vez estava com uma namorada na Cultura e comentei que seria interessante ler as histórias das músicas, escutando-as. Um tempo depois ganhei o CD Book de Carlinhos Lyra, Eu & A Bossa porque, segundo ela, tinha gostado da ideia de ler e ouvir e como sabia que eu gostava de Lyra, resolveu me presentear com ele.
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