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quarta-feira, 14 de abril de 2010

MAURO DUARTE

O apelido, dado por Cyro Monteiro, era por conta da cara arredondada. Mauro “Bolacha” Duarte compôs aos montes e, mais que tudo, se divertiu na vida de sambista. Mas, por ironia, não chegou a fazer significativos registros de sua obra em bolachas – grandes como os vinis de antigamente ou pequenos como os CDs de hoje. Ao todo, foram apenas quatro discos – três deles como integrante do conjunto Os Cinco Crioulos. Talvez isso ajude a explicar, em parte, por que seu nome (com apelido ou não) nem sempre é diretamente ligado às suas composições. Ainda que muitas delas, como “Lama”, “Canto das Três Raças” e “Portela na Avenida” (as duas últimas com Paulo César Pinheiro) estejam até hoje na boca do povo.

Desde de sua morte em 1989 – próxima de completar 20 anos, portanto - Mauro vem tendo sambas gravados esporadicamente por aí. A homenagem mais recente foi do parceiro Walter Alfaiate, que gravou "Tributo a Mauro Duarte" (CPC-Umes) em 2006. Mas isso não significa que o baú de inéditas tenha esvaziado. Agora parte delas será lembrada em uma mesma bolachinha: o disco será lançado no fim de fevereiro pela Deckdisc com 30 canções, a maior parte nunca gravada, outras gravadas mas (quase) esquecidas, algumas ainda montadas como quebra-cabeça. Quem interpreta pérolas como “Jeito de cachimbo”, “Sublime primavera” e “Lenha na fogueira” é o grupo Samba de Fato, formado por Alfredo Del Penho, Pedro Miranda, Paulino Dias e Pedro Amorim, com auxílio luxuoso de Cristina Buarque, grande amiga do compositor, e participação especial de Paulo César Pinheiro, parceiro mais constante e figura fundamental para a realização do projeto. Para completar, há quatro faixas-bônus com trechos do próprio Bolacha cantando, em pequenas vinhetas.

Como a idéia é celebrar o sambista respeitadíssimo pelos compositores, mas pouco conhecido por seu próprio público, o projeto vai além do CD. O mergulho no baú rendeu a Alfredo, que coordena a empreitada, a redescoberta de fotos, fitas e anotações. Matéria-prima que o estimulou a dar mais um passo, registrando em vídeo os depoimentos dos parceiros e amigos de Mauro. O material iconográfico e audiovisual vai ser reunido num hotsite, a ser lançado junto com o disco. É tarefa de fã. “Acho o Mauro um dos melodistas mais ricos do samba. É daquele tipo de compositor que você consegue identificar ao ouvir o fraseado. Tem marca de autor. Isso torna ainda mais inusitado o fato de seu nome nem sempre ser ligado à sua obra”, explica Alfredo.

“Quem conhece a vida não se desespera
No mundo
O que tinha de ser, já era.” (Palavra)

Mauro nasceu em Matias Barbosa, distrito de Juiz de Fora (MG). Mas foi no Rio, no bairro de Botafogo, que se aproximou do samba, ainda na infância. “Ele ainda era criança quando começou a freqüentar o carnaval. Na época, em Botafogo, tinha muito bloco de sujo. Era o auge dos blocos cariocas, animados como são os de hoje, mas sem essa coisa arrumadinha, de camiseta. Então ele começou a compor por essa influência”, conta Cristina. A produção para os blocos era enorme e extrapolava o bairro. Do mesmo modo que compôs sambas-exaltação para diversas escolas, sem deixar de ser portelense convicto, criou músicas para blocos de Laranjeiras, Flamengo, Catete, sem trair de forma alguma o amor a Botafogo - o bairro e também o time.

Já adulto, tocava a vida trabalhando em banco, atuando como ourives, vendendo chapéu, mas sempre dedicando as horas vagas ao samba. Na Portela, desfilava sempre na ala dos compositores – e se não chegou a emplacar nenhum samba-enredo (apesar de ter tentado com “Fonte dos Amores”, com Alfaiate e Wilson Moreira, em 1988), mereceria todas as loas mesmo que fosse só por causa de “Portela na Avenida”, imortalizada na voz de Clara Nunes. Gostava de compor andando, batucando nas pernas. Daí a necessidade de registrar tudo no gravadorzinho ao chegar em casa. Na dele ou na dos parceiros. “O Mauro gostava de ir à praia cedinho. Logo começava a tomar umas e, como na época eu morava no Leblon, não era raro aparecer lá em casa dizendo que precisava me mostrar alguma melodia recém-criada”, lembra Paulo Pinheiro.

A aproximação da maturidade o deixou ainda mais próximo do samba. Passou a ser gravado por alguns intérpretes – sendo a mais recorrente e importante Clara Nunes, mas também Elizeth Cardoso, Alcione... – e até a se assumir timidamente como cantor. Função que exercia muito bem, segundo os amigos. A prova está nos três discos que gravou como membro do conjunto Os Cinco Crioulos (com Nelson Sargento, Elton Medeiros, Anescarzinho do Salgueiro e Jair do Cavaquinho), no qual substituiu Paulinho da Viola a partir de meados da década de 60. E também no disco independente que gravou com Cristina Buarque em 1985.

“Não adianta
Estar no mais alto degrau da fama
Com a moral toda enterrada na lama”
(Lama)

Mas nem só como compositor e cantor ele deu sua contribuição: nos anos 80, junto com a própria Cristina, começou a realizar o Projeto Resgate, com o intuito de fazer as pérolas de sambistas antigos não se perderem.

“A gente encontrava os compositores e revirava o baú. Da memória, porque muitos deles não tinham gravador. Então a gente gravava, conversava”, lembra Cristina. “O duro foi que ninguém poderia prever que Mauro morreria logo em seguida. Ele era até organizado com sua obra, tinha um caderno com os nomes de suas composições. Mas muita coisa ficou solta.” Quem organizava o resgate, curiosamente, acabou sendo alvo de outro, duas décadas depois. Se não chegou (e nem queria) ao mais alto degrau da fama, tem uma obra que mostra consistência e perenidade e o carinho eterno de muitos cariocas. O simpático símbolo disto é uma conquista de seus amigos em 1998: seu nome passou a batizar uma pequena praça de Botafogo.

Frankenstein

No fundo do baú havia três fitas. Cassete, sem grandes explicações, que foram passadas pela família de Mauro para Cristina Buarque. Ao ouvir, ela sacou o tamanho da encrenca e pensou: “Só o Paulinho pode dar um jeito nisso!” “Isso” eram os trechos de melodias e letras que Mauro registrava assim, de bobeira, para quem sabe um dia aproveitar. Não chegava a ser total novidade para Paulo. “Fomos parceiros por muitos anos e não foi raro eu trabalhar com base nessas gravações caseiras dele. Esse que é o grande barato: conhecia os caminhos criativos dele, a gente tinha uma intimidade musical, era muito companheiro. O engraçado é que ele gravava para não esquecer, mas depois esquecia que tinha gravado, ou não tinha paciência de ir ouvir para criar em cima. Sobrou pra mim”, conta, rindo.

E foi realmente um trabalho de formiguinha para ouvir melodias soltas, sem saber exatamente onde começavam e terminavam as idéias para as mesmas músicas. “Fui separando o que me chamava atenção e complementando. Quando vi, tinha 10 músicas prontas. Elas não existiriam se eu não tivesse essa paciência de chinês”, diverte-se, lembrando que, além delas, entraram no disco outras oito parcerias antigas dos dois.

A pesquisa rendeu pelo menos outro quebra-cabeças, dessa vez envolvendo mais gente. Num dos depoimentos gravados, um entrevistado comentou sobre a existência de um samba em homenagem ao polêmico casal Garrincha e Elza Soares. Alfredo começou então a perguntar a todo mundo. “Ninguém lembrava direito. O parceiro Walter Alfaiate cantou uma parte, um amigo de Botafogo lembrou da letra inteira, mas não da melodia... Aí o salvador Paulinho resolveu a parada, lembrando tudo. Foi o maior Frankenstein!”

Como a música acabou não entrando no disco, aí vai a palinha com a letra remontada pela lembrança coletiva:

Música sem título sobre Elza Soares e Garrincha (Mauro Duarte, Walter Alfaiate)

Eu já não sei mais o que fazer desta paixão
Além de amor proibido
Somos demais conhecidos
Demais, demais, demais
Pagando o tributo da fama
Fizeram do nosso caso um drama
Com manchetes de jornais

Vizinho se manda com a vizinha
Branco adora a escurinha
E ninguém diz nada

Plebeu desposa broto do society
Madame adora o chaveiro da light
E ninguém sabe de nada

Mas bastou ser artista
Pra ter o nome na lista de repórter à procura de furo
Que pra manter a alcunha de foca
Em todo caso faz uma fofoca
Se tornando um dedo duro


Imagens à vista

Hoje em dia é raro ver um projeto deste tipo ter vez em gravadoras tradicionais. Neste caso, saiu do papel graças aos esforços pessoais dos envolvidos (como costuma acontecer em toda produção apaixonada) e alguma negociação. A gravação pelo Samba de Fato barateou os custos, pois os arranjos foram feitos de forma coletiva e não foi necessário contratar músicos extras. A produção enxuta teve como contrapartida a possibilidade de se fazer o site com o resto do material pesquisado.

Na reta final do processo, uma constatação um tantinho desanimadora se instalou: se no processo de pesquisa cada foto ou material encontrado era comemorado, agora existe uma certa frustração de não poder mostrar tudo no site. Por questões de copyright. “Encontramos fotos lindas, mas em alguns casos não sabemos quem é o fotógrafo. Acredito até que o próprio autor da foto pode não se lembrar que a tirou. Mesmo assim, não podemos colocar no site sem autorização”, conta Alfredo. Sem entrar no mérito do inusitado da coisa, resta fazer um apelo: se nos carnavais da vida você por acaso tirou uma foto de Mauro Duarte, entre em contato com esse pessoal!


Cristina Buarque / Mauro Duarte (1985)
Faixas:
01 - Sorri de mim (Walter Nunes, Mauro Duarte)
02 - Vazio (Élton Medeiros, Mauro Duarte)
03 - Timidez (Noca da Portela, Mauro Duarte)
04 - Monograma (Cristóvão Bastos, Paulo César Pinheiro)
05 - Pra que, afinal? (Adélcio de Carvalho, Mauro Duarte)
06 - Lá se foi (Carlinhos Vergueiro, Mauro Duarte)
07 - Lama (Mauro Duarte)
08 - Quantas lágrimas (Manacéa)
09 - Nunca mais (Paulo César Pinheiro, Mauro Duarte)
10 - Reserva de domínio (Paulo César Pinheiro, Mauro Duarte)
11 - Papagaio falador (Buci Moreira, Geraldo Gomes)
12 - Aventura (Paulo César Pinheiro, Mauro Duarte)
13 - Uma canção desnaturada (Chico Buarque)
14 - Sacrifício (Maurício Tapajós, Mauro Duarte)
15 - A alegria continua (Noca da Portela, Mauro Duarte)
16 - Portela na avenida (Paulo César Pinheiro, Mauro Duarte)

5 comentários:

  1. O arquivo está corrompido! Em toda internet é o mesmo arquivo, em todos os blogs. O que fazer?

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  2. O arquivo está danificado. Em toda internet é impossível baixar este disco! O que fazer?

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  3. Conferi agora e o link está ok. Baixei o arquivo inclusive...

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  4. Que azar o meu, então! Por que o arquivo que baixo aparece como documento do word lembrando um texto codificado?

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  5. Valeu Rapaz! Eu consegui! Obrigada, mesmo!

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