Em uma de minhas pesquisas aqui na internet me depaeri com esse material publicado na época em que o Simonal estava hospitalizado e prestes a morrer. Como 2009 todos resolveram "anistiar" o cantor (pouco menos de 10 anos após a sua morte) achei interessante deixar registrado aqui esse material referente a ele:
Internado em estado grave em São Paulo, o cantor Wilson Simonal afirma que nunca foi delator e pede para ser lembrado como artista
Hospitalizado na ala gratuita do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, desde o último dia 4, o cantor Wilson Simonal, de 62 anos, luta com dificuldade contra uma doença crônica no fígado. "O seu estado é grave", alerta o médico Alfredo Salim. O cantor se alimenta por sondas e vive sonolento por causa dos antibióticos e antidepressivos. "O que você tem, cara?", perguntou na semana passada o escritor e amigo Mário Prata. "Mágoa", respondeu, secamente, o cantor.
É uma mágoa que se arrasta há quase 30 anos. No governo Médici, no início da década de 70, na fase dura do regime militar, Simonal foi acusado de delatar comunistas ao temido Serviço Nacional de Informações
(SNI), agora extinto. Ganhou a hostilidade do meio artístico e intelectual. O golpe o atingiu no momento em que dividia com Roberto Carlos o posto de cantor mais popular do Brasil. A carreira entrou em declínio irreversível. Segundo Sandra Manzini Cerqueira, sua mulher há sete anos, Simonal sobrevive graças a bicos esporádicos como músico e à ajuda de poucos amigos. Ele quase não canta mais. A média de shows é de dois ou três por ano.
No final dos anos 60, a vida do cantor provocava inveja. "Louras e morenas choviam na horta do 'Simona', navegando nas noites cariocas a bordo de um dos carros mais bonitos da cidade", lembra o jornalista Nelson Motta no livro Noites Tropicais. Contratado da multinacional Shell, Simonal foi o primeiro negro a gravar um comercial para TV no Brasil. Ao se apresentar no encerramento do Festival Internacional da Canção, em 1969, literalmente regeu 30 mil pessoas no Maracanãzinho, no embalo de "Meu Limão, Meu Limoeiro".
Fez longas turnês pelo país. Na volta de uma dessas viagens, em 1972, a bomba estourou. Simonal suspeitou que o contador Rafael Viviani o roubara. Entre os seguranças do cantor havia um policial ligado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Mário Borges, a quem Simonal pediu para investigar o caso. Segundo o cantor, foi esse policial quem tomou a iniciativa de seqüestrar e torturar Viviani.
No leito do Sírio Libanês, Simonal nega mais uma vez que tenha participado do seqüestro. No decorrer do processo que o condenou a cinco anos de prisão, dos quais cumpriu apenas uma semana, Borges disse que Simonal era informante - outro fato que ele nega até hoje. "Foi uma farsa", diz o cantor. Passados quase 30 anos, ninguém conseguiu provar sua culpa. Mas ficou a fama de delator - uma dúvida que persegue até os amigos que o defendem, como Nelson Motta. "No país da impunidade mais absoluta, é incrível que ele esteja até hoje sendo punido com tanto rigor", diz o jornalista.
O caso teve conseqüências profundas na vida familiar do cantor. Simonal, que mora sozinho num flat em São Paulo, tem uma relação difícil com os filhos Max de Castro e Wilson Simoninha, ambos músicos. No final do ano passado, o pai assistiu, escondido no fundo de uma casa noturna, a um show dos filhos. E saiu antes do fim para não ser notado - nem pelos filhos nem pela platéia. "Não quero prejudicar a carreira deles", justifica, com lágrimas nos olhos. "Não quero que ninguém aponte para mim e diga que o pai deles é aquele que entregou todo mundo." Depois de anos sem falar com o pai, Simoninha visitou-o no hospital no domingo 16. "Ele sofreu muito em conseqüência da doença", conta. "Disse para ele se cuidar, refazer a vida." As acusações ao pai, protesta Simoninha, são "ranço de pessoas antigas". "Ele é um artista único", elogia.
Em 1972, Simonal foi acusado de ser "dedo-duro" na capa do jornal O Pasquim. Vinte anos depois, o humorista Jaguar, um dos fundadores do semanário, chegou a declarar que se orgulhava de ter ajudado a destruir a carreira do cantor. Hoje admite que pode ter se equivocado, mas diz estar muito velho para revisar posições.
"Foi um impulso meu", diz. "Ele era tido como dedo-duro. Não fui investigar nem vou fazer pesquisa para livrar a barra dele. Não tenho arrependimento nenhum", diz.
Na luta contra o estigma, Simonal recorreu em 1991 à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Nada existe nos arquivos oficiais que indique ter sido servidor ou prestador de serviços ao SNI. Em junho de 1998 outro documento, emitido pelo Centro de Inteligência do Exército, isentou-o das mesmas acusações. Uma declaração de 26 de janeiro de 1999, assinada pelo então secretário de Estado dos Direitos Humanos e atual ministro da Justiça, José Gregori, reiterou os dois pareceres anteriores.
De nada adiantaram os documentos. Simonal está tão estigmatizado como dedo-duro que até uma piada da anárquica turma do Casseta & Planeta no jornal O Globo o fez entrar em depressão. "É um patrulhamento absurdo", revolta-se a mulher, Sandra. "Mesmo que ele tivesse feito o que dizem, houve uma anistia neste país", protesta Mário Prata. Outro amigo, o cantor Jair Rodrigues, lamenta que com esse episódio o Brasil tenha perdido a chance de conhecer um grande artista. "Por causa desses problemas ele fica deprimido e volta a beber", diz. Entre as razões da disfunção hepática, afirma o médico Alfredo Salim, pode estar o alcoolismo. "Mas é difícil especificar, também pode ser hepatite ou outro problema." Com uma voz que em nada lembra a de seus grandes momentos, Simonal diz que nunca se meteu em política, nunca teve nada contra a esquerda ou a direita. "Não agüento mais esse peso. Meu negócio é a música", diz. E é por ela que ainda sonha ser reconhecido.
Oi Bruno, excelente essa reportagem que colocou aqui. Realmente o poder de algumas palavras podem destruir para sempre uma pessoa. Estando ela culpada ou não. A mesma perseguição sofreu, por outros motivos o escritor Rubem Fonseca que por conta disso deixou de dar entrevistas. Parabéns.
ResponderExcluirAbraço