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domingo, 1 de março de 2009

MARÇO, MÊS DEDICADO AS DIVAS DE NOSSA MPB

Durante esse mês de março, haverá a comemoração do dia internacional das mulheres (dia este que deveria ser comemorado todos os dias em minha modesta opinião). Por tal motivo o Musicaria Brasil dedicará todas as postagens do mês ao universo feminino e a sua participação na música brasileira. Espero que haja o mesmo sucesso do mês especial publicado ano passado sobre os 50 anos da bossa nova.
Então... sem mais delongas... fica aqui a primeira postagem do mês...

A MULHER NEM SEMPRE FOI BEM TRATADA NA MPB
Por Paulo Roberto Pires

Já deitaram a MPB no divã e sentaram-na nos bancos da Academia. Rodrigo Faour prefere jogá-la na cama com sua “História sexual da MPB”, que autografa hoje na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro. É um calhamaço de mais de 500 páginas que vai do século XVIII ao Bonde do Tigrão para mostrar que nossa música sempre gostou de uma boa sacanagem – amparado, é claro, em vasta pesquisa e na palavra de especialistas (em música, em sexo e nos dois). Pesquisador da MPB, autor de “Bastidores”, biografia de Cauby Peixoto, e de um estudo sobre a Revista do Rádio, Faour conversou com Tocatudo sobre o livro e o blogueiro já ficou preocupado: será que ele, sempre atento às mensagens subliminares, viu duplo sentido no batismo desta página?

Se cada época exprime em sua música a sexualidade dominante, qual a diferença do tesão que a gente ouve, por exemplo, em Noel Rosa e Los Hermanos?
Rodrigo Faour - Na época de Noel, as mulheres eram vistas como o diabo de saias. Ao mesmo tempo que os homens a desejavam, tratavam de escravizá-las ao seu bel prazer. Elas nasciam para casar e procriar. Se tinham desejos e vontades um pouco maiores que o normal, elas eram putas por si só ou vadias perdulárias. Mesmo Noel, que foi um grande renovador de seu tempo, além de ironizar muito certos sentimentos, como na genial “O maior castigo que te dou” (”É não te bater/ Pois sei que gostas de apanhar”), não escapava do machismo de sua época. Tinha ciúmes até do “gerente impertinente” que dava ordens à sua amada na Fábrica de Tecidos. No tempo de Los Hermanos, a meu ver há duas maneiras de se encarar amor e sexo. De uma forma escancarada como no funk carioca e com uma visão ainda pautada nos ideais do amor romântico idealizado. A sociedade mudou muito nos últimos 20 anos, mas nem sempre as letras andam refletindo isso. Casamos menos, temos mais parceiros, experimentamos mais, separamos mais amor de sexo, alguns preconceitos sexuais foram quebrados… Mas lá no fundo a grande parte das pessoas ainda pensa como nossos pais e avós e quando verbalizam isso, acabam colocando em nossas letras sentimentos à la anos 50, tais como dramatizar demais a separação, não lidar bem com a solidão, evocar Deus pra resolver a vida amorosa, mostrar amores possessivos e muitas vezes ainda cultuar a fossa e o fracasso amoroso. Seja de grupos pop como Los Hermanos, Dibob, Detonautas e até mesmo em algumas letras de Ana Carolina, grupos de pagode, canções de pop/sertanejo.

A mulher, como você bem diz, nem sempre foi bem tratada da MPB. Qual é, para você o maior elogio e a pior ofensa feitos a elas ao longo da História?
Um dos maiores elogios é de Milton e Fernando Brant na música “Mulher davida”, gravada por Simone em 1983, que é a epígrafe do capítulo dedicado a elas: “Mulher é a vida/ A vida é mulher/ Toda mulher é mulher da vida”. Na perspectiva mais irônica, fico com Rita Lee em “Todas as mulheres do mundo” (1993): “Toda mulher quer ser amada/ Toda mulher quer ser feliz/ Toda mulher se faz de coitada/ Toda mulher é meio Leila Diniz”. Erasmo fazendo a meaculpa do machão (em parceria com a própria esposa, Narinha) é maravilhoso também em sua “Mulher (Sexo frágil)” (1981): “Satisfaz meu ego, se fingindo submissa/ Mas no fundo me enfeitiça”. Quanto às ofensas, são inúmeras, tanto que é espantoso e chocante o número de músicas que falavam de porrada em mulher - inclusive como uma “prova de amor” - até os anos 50. Mas o samba “Sacode a lapela” (Mirabeau/ Jorge Gonçalves), gravado por Carmen Costa em 55 eu acho imbatível: “O homem sacode a lapela, a poeira cai/ A mulher quando perde a linha/ Pode lavar que a
mancha não sai”.

Você dedica um capítulo aos gays e mostra muita “mensagem subliminar” em diversas letras. Mas afinal de contas, porque, como você mesmo diz, a bicha não resiste a uma grande cantora, de Emilinha a Maria Bethânia?
É questão de identificação. O homossexual verdadeiro transgride a cultura “masculinizada” que lhe é imposta e se identifica muito com a alma, a voz e os anseios da mulher, e a nossa música é pródiga em vozes femininas
maravilhosas. Muitas delas sobreviveram ao tempo inclusive em razão dos gays terem verdadeiro fascínio por elas. Elas são teatrais, cantam bem, jogam o cabelão pra lá e pra cá, se preocupam com o figurino e adereços em geral, e não raro são muito sensuais e provocantes, seduzem a platéia. O cantor homem tradicional de MPB em geral preza outros atributos em suas performances, que não são tão caros assim ao universo gay.

A música mais popular e o brega sempre escancararam sexualidade e amor e os setores mais “cabeça” sempre cantaram as dores e encanações. Repetindo o nosso Joãosinho Trinta, a gente pode dizer que quem gosta de gozar é pobre, intelectual gosta é de sofrer?
Não se pode generalizar. Também há muito sofrimento desnecessário (e ultrapassado) na música brega-romântica de todas as fases da música brasileira. De Adelino Moreira a Amado Batista, Waldick Soriano, José
Augusto e Zezé DiCamargo. O que se pode afirmar é que, em geral, quem conseguiu transgredir inicialmente esse tabu de uma sexualidade mais escancarada em nossas danças e letras foram mesmo os menos intelectualizados, como na fase da dança do maxixe, do próprio samba, do forró, do axé e atualmente do funk carioca. São gêneros difundidos por artistas bem populares que dançam e falam mais de sacanagem sem a culpa dos mais letrados.

As letras de alguns maxixes deixam pouco a dever a Tati Quebra-Barraco e Mr. Catra. Como você vê as condenações à sacanagem escancarada do funk carioca?
Não só as letras, como as danças. A dança do maxixe veio antes do maxixe como gênero musical, criada por volta de 1870 e 80. Ali os dançarinos mandavam ver na volúpia, simulando um verdadeiro ato sexual ao dançá-la. Era um gênero difundido por pretos recém-libertos, pobres e favelados em geral, igualzinho ao funk carioca, 100 anos depois. Naquela época não faltaram puritanos para dizer que as modinhas, peças eruditas e óperas européias eram muito mais dignas de se ouvir do que aquele gênero rasteiro (maxixe significa exatamente isso: “fruto rasteiro”). Atualmente, ocorre o mesmo. Quando Tati Quebra Barraco foi convidada a representar o Brasil num evento na Alemanha, financiado pelo Ministério da Cultura, um monte de gente escreveu cartas indignadas para os jornais, afirmando que nossa imagem no exterior seria abalada. Duvido que se fossem grupos de rock, com letras igualmente pornográficas, como Raimundos, alguém perderia tempo para escrevê-las. Isso é preconceito mesmo. O funk carioca é tosco, as melodias são rudimentares, mas num baile funk, aquelas músicas provocam catarse na juventude, da mesma forma que ocorria com o maxixe e também com as tão cultuadas marchinhas de carnaval nos dias de folia de antigamente (já que o carnaval até os anos 60 era a única época do ano em que era permitido dar um tempo no moralismo sexual vigente). As marchinhas, assim como o funk, eram de melodias fáceis, letras pequenas e em geral muito maliciosas, foram feitas para ser consumidas rapidamente, fazendo todo mundo soltar a franga e, assim como o funk, só podiam ter nascido no Rio de Janeiro, pois ambos os ritmos têm o humor e a malandragem típicos dos que nele vivem.

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