Por José Teles
Pouquíssimos brasileiros sabem quem é Celso Fonseca (guitarrista e produtor de nove entre dez astros da MPB, conceituadíssimo no exterior). No entanto, a maioria conhece seu único sucesso, embora tampouco ligue o nome do autor à música. Slow motion bossa nova (parceria com Ronaldo Bastos), a tal, está num comercial estrelado por Giselle Bündchen para uma marca de sandálias. Estranho que as gravadoras não explorem mais este filão. Preferem novela, que se limita praticamente à Globo, e só é ouvida em determinado horário. Enquanto comercial rola em todos os canais, e muitas vezes no rádio. Além do que em trilha de novela muitos são os escalados e poucos os escolhidos para o sucesso.Música e propaganda andam juntas desde, com perdão da expressão, tempos imemoriais. Carmem Miranda, nos anos 40, cantou num dos primeiros comerciais da Coca Cola no Brasil "Coca-cola é a bebida da cordialidade, é de confiança". Nos anos 50, e durante praticamente toda a carreira, Luiz Gonzaga nunca se esquivou de fazer jingles (foi um dos pioneiros na música brasileira a não ter pruridos em ser garoto- propaganda, do Colírio Moura Brasil, ao fumo Dubom, e o Café Petinho, entre muitos outros). Paraíba, dele e Humberto Teixeira, foi um jingle da campanha de José Américo, ao governo estadual. Acabou virando um clássico da MPB. Como não me proponho a contar a história da música na publicidade. Salto para o final dos anos 70. Em 1980, Jimmy Cliff fez um memorável turnê com Gilberto Gil e com ares de superestrela. Em 1968, ele chegou a morar no Rio, cantou até no programa de Chacrinha, como um ilustre desconhecido (embora tenha sido um dos formatadores do reggae). A razão do sucesso do jamaicano em 80, foi a inclusão de uma música sua, The love i need num comercial de cigarros (Holywood, salvo engano). A música era ótima, mas só ficou conhecida no patropi graças ao reclame na televisão.Antes de Cliff houve outros. Um destes, tinha tido um sucesso tão absurdo dois anos antes, que começava a cair em declínio. Com a propaganda de Hollywood pipocou, no Brasil. Foi Peter Frampton com Breaking all the rules, que virou um megahit por aqui. No estrangeiro, a prática sempre foi muito utilizada.Feelings de Maurício Alberto, ou Morris Albert para os íntimos esteve num comercial da Pacific Phone Co. e Yellow River, da banda, da banda inglesa Christie (um dos maiores sucesso do começo dos anos 70), serviu para divulgar as catálogo telefônico, Yellow Pages, na ilha da Rainha Elizabeth.É muito comum (ou pelo menos já foi), acontecer também o vice-versa. Aqui, um dos exemplos mais conhecidos foi o do jingle da Shell feito pelos Mutantes em 1969, que virou Algo mais, faixa do segundo LP da banda. Foi, como dizem os apresentadores de TV no carnaval: muita irreverência, dos irreverentes Mutantes, porque música comercial já é meio estigmatizada, que dirá música comercial de comercial (a título de curiosidade, a Shell em 1966 fez um comercial com Roberto Carlos, que não canta, só fala o texto). Lá fora não é raro comercial virar música comercial, e sucesso mundial. Foi o caso de um tema instrumental feito por Bob Crewe (um cara que foi uma fábrica de hits nos anos 50 e 60), para a Diet Pepsi, depis gravada pelo próprio Crewe, no Bob Crewe Generation. A música? Theme to watch girls by, que foi gravada por um zilhão de gente (aqui no Brasil teve versão com Ronnie Von na fase Jovem Guarda), e virou um standard da música mundial. We've only just began, a assinatura sonora dos Carpenters, foi feita originalmente para um comercial de um banco dos EUA, o Crocker Bank, cantada pelo autor Paul Williams. Karen e Richard Carpenter a regravaram e ganharam dinheiro suficiente pra fundar um banco. Um dos maiores sucessos de um jingle que virou canção foi I like to teach the world to sing, com os New Seekers (grupo neo-folk surgido nos anos 60), feito para a Coca-Cola, que vendeu 12 milhões de cópias em 1970.A desgraça caída em cima de Michael Jackson pode ter sido coisa de beatlemaníaco, irado contra ele, por ter metido pela primeira vez a sacrossanta música dos Beatles num comercial. E John Lennon deve ter dado cambalhotas o túnel, porque botaram logo Revolutionmúsica feita em 1968, quando ele não se sabia se era ou não a favor do presidente Mao (Tzé Tung). A Yoko Ono é atribuída parte da culpa (culpa?). O certo é que o bregueço foi tão controverso, que os três Beatles mais a viúva prometeram-se não mais deixar nenhuma canção do repertório do Fab Four cair em comercial. Mas voltou a cair.Desta vez a culpa vai para dona Yoko, Instant karma de John Lennon foi também parar num comercial da Nike. A turma da marca de tênis parece apostar no taco dos Beatles. Mais um de seus comerciais usa a suíte final de Abbey road (You never give me your money, Carry that weight) E nesta o vil metal falou mais alto para Paul Mccartney. No comercial ele aparece na foto da capa do disco em 1969, de pés descalços, e logo em seguida as pernas de alguém (claro que não foi McCartney) atravessando uma faixa-de-pedestre, ou zebra crossing, como dizem os ingleses, com os pés calçados, num par de tênis da Nike, obviamente. Os Beatles são tão cobiçados pelo pessoal da publicidade, que até o falecido Stu Suttcliff, baixista do grupo no comecinho do grupo (morreu de câncer no cérebro em 1961) virou estrela póstuma de um comercial da Kleenex.Mas, a maioria destes episódios aconteceram nos anos 80, década muito distante dos românticos anos 60, a era da praticidade e cinismo yuppies. Se os Beatles poderam, por que não Tom Jobim? Houve chiadeira, muito pouca, quando o maestro engordou a sua já polpuda conta bancária cedendo os direitos de Águas de março, para um comercial da Coca-Cola. É pau, é pedra, é o fim do caminho, e Águas de março teve mais recentemente outra inserção em comerciais, desta feita de uma companhia de gás inglesa, e com uma letra feita por quem entendia de comerciais, mas nem um pouco de boa música. Mas é isto aí, para relembrar o slogan da Coke, parafraseando Sinhô, música, feito passarinho (antes do Ibama), é de quem pagar mais.
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