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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

GRAVADORAS VERSUS INTERNET

Por Daniel Brazil

Um dos grandes ganhos para os pesquisadores e amantes da música brasileira foi a proliferação de sites e blogs de trocas de músicas. Preciosidades voltaram a circular, antigos LPs ganharam versão digital, e centenas de milhares de pessoas puderam ter acesso a um acervo inestimável, que certamente motivou muita gente a comprar, pedir e cobrar de lojistas, que por sua vez pressionaram gravadoras, que algumas vezes relançaram parte do acervo que mantinham fora de circulação por ser “pouco comercial”.

Mas evidentemente as trocas pela Internet não se limitam às gravações esgotadas. A facilidade de circulação de informações e downloads faz com que os fãs de música troquem gravações caseiras, registros ao vivo e, claro, músicas em catálogo e lançamentos recentes.

Um fã de música brasileira que more numa das centenas de pequenas cidades do interior do Brasil não tem acesso a lojas de disco, ou conta com uma oferta restrita apenas aos sucessos radiofônicos. Estas trocas aumentam a curiosidade, estimulam as vendas, promovem a divulgação.

Evidentemente, as gravadoras pensam o contrário. Preocupadas com a revolução digital inexorável que vem mudando as regras do comércio musical, tentam vetar, impedir, proibir a circulação de músicas pela Internet. Ou pelo menos buscam uma forma de taxar, lucrar com essa onda.

Há muitos e bons blogs de música brasileira na Internet. Não tenho vergonha de dizer que várias gravações que aqui comentei foram ouvidas pela primeira vez de forma gratuita, baixadas na rede. Não tenho dúvida de que muita gente leu, ficou interessado, foi até uma loja e comprou o CD. Não ganhei nada com isso, mas a gravadora certamente teve lucro. Ou seja: divulgar o produto de graça é bom, não parece?

Pois não é assim que pensam. Agora mesmo um dos melhores blogs de música brasileira, o Um Que Tenha (www.umquetenha.blogspot.com) está ameaçado de sair do ar. Veja o que escreveu no dia 24 de outubro de 2008 o responsável pelo riquíssimo acervo ali disponível:

“Assim como ocorreu com o Som Barato, o Um Que Tenha acaba de receber uma notificação de que publicou material que viola os direitos autorais, material este que foi retirado do ar, em junho passado, a pedido de Guilherme Viotti, da gravadora Biscoito Fino. Tal como ocorreu com o Som Barato, é o prenúncio de que, de uma hora para outra, o blog será retirado do ar.”

Se a ameaça se concretizar, será uma grande perda. Encontrei no Um Que Tenha discos raríssimos, obras que só haviam sido lançadas no exterior, músicas instrumentais brasileiras gravadas por jazzistas do mundo inteiro, raridades fora de catálogo e, claro, alguns lançamentos que fiz questão de divulgar aqui na Revista Música Brasileira.

Os tempos estão mudando, já dizia Bob Dylan, lá pelos anos 60. As gravadoras ainda não entenderam que a indústria cultural está em transformação, e os modos de produção, difusão e fruição de música estão circulando por novos caminhos. Não se conformam de não mais vender milhões de discos como no tempo dos Beatles, e caem no círculo vicioso de aumentarem o preço para compensar as perdas, vendendo ainda menos por causa disso.

Se eu fosse dono de gravadora, e trabalhasse com um produto tão valioso como é a boa música brasileira – como, aliás, faz a Biscoito Fino, tantas vezes aplaudida aqui na RMB – enviaria cada novo lançamento para alguns blogs fundamentais, apostando no efeito multiplicador desses voluntários e incansáveis divulgadores, acessados por um público muito especial.

Fechar um espaço que presta um serviço tão valioso de informação é burrice. Não vão vender mais discos por causa disso. Mais e mais blogs se abrirão no lugar daquele que fechou. Acreditar no contrário é como tentar segurar a maré com as mãos. Faz lembrar os versos de Paulo César Pinheiro em Pesadelo (parceria com Mauricio Tapajós):

“Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa”

Direitos autorais são muito discutíveis, principalmente num sistema onde sabidamente o autor fica com menos de 10% do resultado das vendas. No mundo inteiro este conceito vem passando por mudanças, muito por causa das novas mídias. Não é fechando canais de divulgação que o autor passará a ganhar mais. Felizmente, muito artista já percebeu isso, e coloca seu trabalho na rede, disponibiliza downloads, expõe sua cara nos You Tubes e My Spaces, correndo atrás do público. É por aí que vamos, pois como diz outro blogueiro, o Branco Leone, no futuro todo mundo vai ser famoso não por quinze segundos, mas para quinze pessoas. Se chegarmos a esse ponto, a existência de gravadoras – como conhecemos – não terá mais nenhum sentido.

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