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quarta-feira, 9 de julho de 2008

DISCOS RISCADOS

Num mercado fonográfico em crise, artistas e gravadoras desistem de ousar, abusam das regravações e se repetem, se repetem, se repetem...

Por Sérgio Martins


A regravação, às vezes, é resultado da busca de um músico pela perfeição. Ela pode ser inovadora. O regente austríaco Herbert von Karajan lançou seis versões das nove sinfonias de Beethoven porque queria registrar cada nova concepção que tinha desses clássicos. A cantora americana Ella Fitzgerald revisitou várias vezes o repertório de autores como Cole Porter e George Gershwin, renovando-se a cada gravação. No Brasil de hoje, porém, casos como esses são raros, muito embora o que não falte sejam regravações. Em todos os estilos os artistas se repetem, se repetem e se repetem, por falta de ousadia, oportunismo ou auto-indulgência. A lista inclui de veteranos como Erasmo Carlos, Lobão e Zeca Pagodinho, cujos dias de glória já vão longe, a artistas que, em teoria, estão vivendo o seu auge criativo. Nando Reis, Ivete Sangalo e Jota Quest são alguns dos que não cansam de regurgitar suas velhas músicas, sobretudo em CDs do gênero "ao vivo" (volume I e volume II).

A regravação é um sintoma da crise na indústria fonográfica. Buscar uma solução inovadora para as vendas declinantes dá trabalho, e é mais seguro investir em mais do mesmo. A festeira baiana Ivete Sangalo lançou três discos ao vivo em menos de dez anos. O mais recente foi gravado no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, diante de um público de mais de 50.000 pessoas – uma superprodução com repertório requentado. Em tempos idos, o sambista Zeca Pagodinho só lançava CDs de material inédito, com no máximo duas, três releituras. A partir de Ao Vivo, de 1999, Zeca afrouxou seus critérios. Nos últimos quatro anos, lançou dois CDs ao vivo. O mais recente, baseado em canções de gafieira, não teve o resultado comercial esperado – uma prova de que o público não aprovou a fórmula manjada.

O disco ao vivo, que deveria captar a vibração do artista em contato direto com os fãs, transformou-se em veículo burocrático. É o que se constata nos registros de shows do Jota Quest. O maior sucesso do quinteto mineiro foi MTV ao Vivo, lançado em 2003, com mais de 500 000 cópias vendidas. Desde então, a banda não faz outra coisa senão gerar subprodutos desse projeto, com mais um CD ao vivo e um DVD de uma apresentação em Porto Alegre. Músicas como As Dores do Mundo e De Volta ao Planeta chegaram a ser gravadas quatro vezes. O único disco de estúdio recente traz, como música de trabalho, uma cover de Roberto Carlos – o fôlego para composições novas se esgotou. Nando Reis é outro que adora reprisar canções. Seu Luau MTV nada mais é que o registro de uma apresentação na praia, ao lado de convidados. A Letra "A", A Fila e Relicário são algumas das faixas que ganharam uma terceira releitura. Até Lobão largou a pose de "artista que não se vende" e topou a oferta da gravadora Sony BMG para lançar um Acústico MTV. Nas entrevistas de divulgação desse disco preguiçoso (em grande parte feito de velharias dos anos 80), o cantor jacta-se de que a gravadora está pagando jabá, aquela verba que o radialista recebe para tocar certas canções.

O artista que muda de gravadora às vezes utiliza a regravação como estratagema para transferir o melhor do seu repertório para a nova casa. Em dez anos, Erasmo Carlos gravou discos por três companhias, sempre com as mesmas composições dos tempos da carochinha. Seu último disco, Erasmo Convida II, é um "catadão" de algumas das canções mais significativas de quarenta anos de carreira, na companhia de convidados como Chico Buarque e Los Hermanos. "Eu queria mostrar músicas novas, mas o meu público prefere os sucessos antigos", justifica Erasmo. E a praga das regravações continua a se espraiar. No mês passado, chegaram às lojas discos de artistas do segundo escalão da MPB com homenagens a Dorival Caymmi, Tom Jobim e Chico Buarque. São trabalhos modorrentos e sem critério artístico. Está na hora de os artistas brasileiros apresentarem novidades. Ou estarão condenados a confirmar o poeta russo Joseph Brodsky, para quem a repetição era a mãe do tédio.

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