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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

TV CULTURA, 50 ANOS: A HISTÓRIA DA EMISSORA DE TELEVISÃO MAIS RESPEITADA DO BRASIL


Por Fábio Costa


Entrada da sede da TV Cultura, na zona oeste da capital paulista, vista de cima (Reprodução/TV Cultura 50 Anos)


Em 15 de junho de 1969, portanto, há 50 anos, entrou no ar a TV Cultura de São Paulo, Canal 2. Na verdade, o Canal 2 operava desde 1960, com sentido comercial e integrando as concessões dos Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand. Todavia, como o mesmo grupo controlava também a TV Tupi, Canal 4, em 1967 ocorreu a compra da emissora pelo governo estadual.

Anteriormente, em 1963, já havia sido firmada uma parceria com o Serviço de Educação e Formação pelo Rádio e Televisão (Serte) para a produção de 10 horas semanais de programação educativa. Isso numa emissora que se propunha “cultural” desde o início, mas que operava como comercial a exemplo de suas coirmãs. Entre 1968 e 1969, na fase de remodelamento do projeto da TV Cultura e já sob administração da Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativas, criada pelo governador Roberto Costa de Abreu Sodré, a emissora saiu do ar. José Bonifácio Coutinho Nogueira foi o primeiro presidente da Fundação, que tem desde o princípio por missão gerir a TV Cultura de forma apartidária e independente.


Os programas do primeiro dia da TV Cultura

A TV Cultura entrou no ar oficialmente às 17h30 do dia 15 de junho de 1969. No final da manhã daquele dia, às 11h, teve início uma solenidade de lançamento do novo canal, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. O evento foi gravado e transmitido para os espectadores da nova emissora. Liderando a solenidade, o governador Abreu Sodré, que teve ao seu lado diversas autoridades das três esferas governamentais. Só para ilustrar, entre os presentes estiveram o ministro das Comunicações, Carlos Simas, e o Cardeal de São Paulo, Dom Agnelo Rossi, à época presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).


Documentário, música e dramaturgia entre as atrações

Apenas no dia 16 de junho, portanto, a TV Cultura entrou no ar com atrações “normais”, quatro horas por dia. Às 19h30 foi exibida a primeira edição do Planeta Terra, no ar até hoje, com documentários sobre o mundo animal. Logo após, às 19h55, A Moça do Tempo era Albina Mosqueiro, com as previsões da meteorologia. Às 20h, o Curso de Madureza Ginasial, com as aulas inaugurais girando em torno do romance de Orígenes Lessa O Feijão e o Sonho, posteriormente adaptado também para novela de televisão.


Artes plásticas e música erudita

Quem Faz o Quê, atração das 21h, estreou com as atividades dos artistas plásticos, em sua proposta de falar sobre as mais diversas profissões. Em seguida, o pianista Fritz Jank foi a atração de Sonatas de Beethoven, às 21h30, enquanto às 22h15 O Ator na Arena, comandado pelo ator e diretor Ziembinski, exibiu trechos selecionados da peça Yerma, de Federico García Lorca.


Carlos Queiroz Telles: publicitário e dramaturgo revoluciona o Canal 2

No final dos anos 1970, o publicitário, dramaturgo e professor universitário Carlos Queiroz Telles chegou à TV Cultura. Ao assumir seu cargo de diretoria, encontrou a emissora num estado desanimador. Burocrática, pouco vista e desinteressante. Tratou de criar, extinguir e adaptar diversos programas. Uma das novidades foi o Vox Populi, que ficou 10 anos no ar a partir de 1977 e nos últimos anos tem sido reprisado no ingrato horário das madrugadas de sábado para domingo. Figuras importantes das artes, da política e da sociedade eram entrevistadas no programa, por um entrevistador cujo rosto não era visto e também por populares – daí o título. No decorrer da trajetória do Vox Populi o apresentador começou a aparecer diante das câmeras, junto ao entrevistado. Heródoto Barbeiro, Silvia Poppovic e Armando Figueiredo foram apresentadores do programa, que na estreia recebeu o truculento secretário estadual de Segurança Pública, Coronel Erasmo Dias.
História do folhetim eletrônico e programa para a terceira idade

Outras criações de Queiroz Telles nos diversos cargos que ocupou na TV Cultura foram a série de documentários A História da Telenovela (1979), que contou a trajetória do gênero no Brasil desde as origens até os dias de então, e o musical Festa Baile, apresentado nas noites de sábado nos anos 1980 por Francisco Petrônio e Branca Ribeiro. Agnaldo Rayol e Cláudia Matarazzo também chegaram a comandar este que foi o primeiro programa dirigido à terceira idade na TV brasileira.




Nos anos 1980 e 1990, o reforço da imagem da programação feita pensando em crianças e jovens

Ao longo das décadas de 1980 e 1990, a TV Cultura manteve seu compromisso com o jornalismo diferenciado e programas de debates e de fundo educativo. E também reforçou o caráter pedagógico de diversas atrações, direcionadas ao público infantil e ao juvenil. Não esquecendo também os programas musicais de diversos gêneros, que ganharam nesse período fôlego novo. Ainda, a marca RTC (de Rádio e Televisão Cultura), utilizada por alguns anos na tentativa de aproximar a TV Cultura das concorrentes comerciais, foi deixada de lado.


Musicais e desafios ao conhecimento

Os anos 1980 viram surgir títulos como Fábrica do Som, que deu espaço ao nascente rock brasileiro moderno. E Viola, Minha Viola, com a tradição da música sertaneja de raiz. Além disso, programas direcionados aos jovens como É Proibido Colar, Quem Sabe, Sabe e Qual É o Grilo?. Competições que envolviam conhecimentos e habilidades e estimulavam o gosto pela leitura e pela pesquisa, disputadas entre equipes de escolas públicas estaduais. Os anos 1980 também viram o surgimento do Roda Viva (no ar desde 1986) e apresentaram uma safra rica de infantis. Entre eles, Curumim, Catavento e Bambalalão. O mundo dos espetáculos, que a emissora cobria com o Panorama, ganhou para sua abordagem o Metrópolis, no ar desde 1988.



Na década de 1990, Rá-Tim-Bum, X-Tudo, Castelo Rá-Tim-Bum, Glub Glube Cocoricó deram prosseguimento à tradição da programação infantil de qualidade. No jornalismo, Opinião Nacional debatia os grandes temas em voga, com apresentação de Heródoto Barbeiro e Roseli Tardelli. O espírito da Fábrica do Som foi atualizado no Musikaos, com Gastão Moreira. A mesma década ofereceu aos espectadores Vitrine, Matéria-prima, Fanzine, Repórter Eco e Cartão Verde.



Anos de dificuldades e mudanças na TV Cultura

Ao mesmo tempo em que manteve sua posição de respeitabilidade e a proposta de qualidade que sempre caracterizou sua atuação, a TV Cultura sempre enfrentou tentativas de desvirtuamento de sua atividade, uso político da emissora e dificuldades orçamentárias que atrapalharam seus planos. As muitas reprises de diversos programas da casa nem sempre significam um desejo de explorá-los à exaustão, como pode parecer, mas sim o respeito ao público exercido da melhor maneira aliando-o à necessidade de manter a fidelidade ao espírito Cultura de atuar.

Ao assumir o governo de São Paulo, em 1995, Mário Covas encontrou um grande rombo no orçamento que impactou todos os investimentos. Além disso, as mudanças na direção da Fundação Padre Anchieta também modificavam, ou tentavam modificar, as diretrizes do trabalho. Todavia, mesmo com todas as dificuldades institucionais e financeiras, a emissora buscou novos caminhos sempre. Incluindo-se aí a inserção de propaganda comercial privada selecionada nos intervalos da grade, um dos meios encontrados para obtenção de receita, e as parcerias com entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Serviço Social da Indústria (Sesi), que com aporte financeiro colaboraram decisivamente para a realização de programas importantes como Rá-tim-bum e Mundo da Lua, por exemplo.


Jornalismo público, marca da TV Cultura

Prova disso foram os documentários que produziu ou coproduziu, tratando de temas nacionais relevantes, e seu projeto de jornalismo público, opinativo e aprofundado, cujo descompromisso com números de audiência permite essa visão. O Jornal da Cultura, antigo RTC Notícias, desde os anos 1980 é um noticiário diferenciado. Seja pela forma de mostrar os fatos, seja pela voz sempre dada a especialistas. Nos últimos tempos, a saber, eles atuam como comentaristas das notícias ao vivo, no estúdio. Maria Cristina Poli, William Corrêa e Joyce Ribeiro são expoentes dessa fase. Entre os dirigentes da emissora, destacam-se Roberto Muylaert, Jorge da Cunha Lima e Marcos Mendonça.


TV Cultura, uma emissora de televisão que buscou fugir à ditadura da programação comercial

Ao longo de toda a sua trajetória, a TV Cultura produziu programas que dificilmente seriam produzidos por emissoras comerciais, como a Rede Globo ou a Record TV, por exemplo. Com efeito, levando em conta a proposta efetivamente cultural e pedagógica da emissora em si e seu descompromisso com o imediatismo do retorno comercial, só nessas condições poderiam ser levadas adiante iniciativas como a leva de programas infanto-juvenis que fez história na TV Cultura, bem como os musicais e a dramaturgia da casa.


Ameaças à independência não são de hoje

Desde os anos 1970, portanto, em seus primeiros anos de atividade, a TV Cultura sofre com tentativas de ingerência dos governantes de plantão sobre sua programação. Especialmente o jornalismo sofria com a situação. E em meados da década diversos jornalistas pediram demissão da emissora em virtude de não concordarem com a postura desejada pelo governo do estado para os telejornais da casa. Não foi raro o governo querer até mesmo espaço para divulgação dos feitos e obras paulistas. Como no caso de Paulo Maluf ou de José Maria Marin quando chefiaram o Executivo estadual.

Recentemente foi anunciada a troca do comando da Fundação Padre Anchieta, portanto, da TV Cultura. O governo de João Doria (PSDB) tem a intenção de aproximar a emissora das TVs comerciais, embora supostamente queira manter sua independência e sua liberdade de atuação, paradoxalmente.

Só o tempo dirá o que a liderança de José Roberto Maluf e o conselho administrativo composto por figuras experientes da TV comercial como Boni e Ricardo Scalamandré farão da TV Cultura. Com toda a certeza, o trabalho de todos é exemplo de sucesso. No entanto, o velho Canal 2 de São Paulo pode se tornar algo bem diferente do que sempre foi, se não houver um cuidado especial para manter sua atuação válida no sentido de ir na contramão das coirmãs. O sinônimo de qualidade e respeitabilidade que a TV Cultura representa não pode ser substituído por uma visão aplicável às outras emissoras.



JACKSON DO PANDEIRO E ALAGOA GRANDE: REI DO RITMO INFLUENCIA TURISMO E CULTURA NA CIDADE

Memorial homenageia o artista centenário em Alagoa Grande. Isaías Vicente, de 25 anos, começou a interpretar Jackson após uma gincana escolar.

Por Luana Almeida*, G1 PB


Pórtico do Pandeiro, em homenagem a Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande, na Paraíba — Foto: Divulgação/Secretaria de Turismo de Alagoa Grande


A relação de Jackson do Pandeiro com sua cidade natal, Alagoa Grande, no Brejo paraibano, não era das melhores. Foi lá que viveu uma infância humilde, passou fome e perdeu o pai. E de lá saiu, a pé, com a mãe, rumo a Campina Grande. Apesar disso, a cidade ‘louva’ ao rei do ritmo e a história construída por ele.

Para lembrar Jackson, foi construído em 2008 o Memorial Jackson do Pandeiro, no Centro da cidade, uma iniciativa da prefeitura em conjunto com o escritor Fernando Moura e parentes de Jackson, que fizeram doações dos objetos para a exposição permanente no local.

No acervo, muitas peças que contam a história de José Gomes Filho, como fotos, livros, peças do vestuário e instrumentos. Os discos do artista também estão expostos, incluindo o primeiro disco lançado em 1953, doado por um fã de Jackson.

Os restos mortais do artista também estão expostos no Memorial, que recebe atualmente cerca de 1.500 visitantes por semana, segundo a administração municipal. O local é aberto ao público todos os dias e não cobra taxa de visitação.

"O fato de Jackson do Pandeiro ter nascido em Alagoa Grande tem trazido muitos visitantes à sua cidade natal. Com isso, vários segmentos têm se beneficiado desse aumento de turistas", disse o Secretário de Cultura e Turismo da cidade, Marcelo Félix.

Isaías Vicente, de 25 anos, natural de Alagoa Grande, Paraíba, faz apresentações como o cantor Jackson do Pandeiro para eventos e turistas. — Foto: Arquivo Pessoal/Isaías Vicente


Isaías Vicente é ator e, assim como Jackson, nasceu em Alagoa Grande. O jovem teve o primeiro contato com Jackson do Pandeiro por volta dos 10 anos de idade, em uma gincana escolar. Com a imitação, Isaías venceu a gincana.

“Como eu era neguinho, pequenininho e dizia que parecia com Jackson, pela semelhança e também pela 'umbigada' que dei em Sebastiana, eu ganhei o festival”, conta Isaías.

Na época, Isaías não tocava e nem cantava. Após a competição, o jovem só voltaria a interpretar Jackson novamente aos 16 anos, quando se envolveu com a dança de rua e a dança popular e passou a ser convidado por alguns grupos para interpretar Jackson dançando.

Por volta de 2014, já estudando canto, Isaías foi convidado pelo ator e diretor Misael Batista, também alagoa-grandense, a interpretar Jackson no espetáculo “A Ópera do Pandeiro”, que retrata vida, obra e morte do rei do ritmo.

Atualmente, além do papel no espetáculo, Isaías tem o projeto solo intitulado "Momento Jackson" e a banda “Forró Jacksonianos”. No projeto solo, o ator se apresenta também no Memorial, recebendo os turistas que visitam o local.

O tempo da participação pode durar de cinco a dez minutos, mas também pode se estender por cerca de 30 minutos, caso Isaías seja contratado para guiar o grupo no Centro da cidade. É suficiente para viver da arte em uma cidade com pouco mais de 28 mil habitantes.

"Minha fonte de renda hoje é a minha arte, desde 2013. Comecei a desenvolver a arte em 2010, assim iniciante, principiante. Em 2013 eu já comecei a desenvolver pequenas oficinas, pequenos trabalhos", disse.

Para Isaías, Jackson é um gênio. "Eu vejo ele como um gênio da música popular, como um cara inquieto, curioso, no seu jeito de viver e a forma que ele vivia era a forma que ele trabalhava, aquela coisa inquieta... Eu vejo Jackson como um cara inquieto, com uma mente avançada, além do seu tempo. Um cara que demonstrava muita inteligência, vejo como um 'caba' inteligente, gênio da música e sempre carregou a humildade", afirmou.

Isaías Vicente, 25 anos, ganha a vida interpretando Jackson do Pandeiro em Alagoa Grande, na Paraíba — Foto: Arquivo Pessoal/Isaías Vicente

SILVIO CÉSAR E SUAS HISTÓRIAS (80 ANOS)

Em comemoração aos 80 anos do cantor e compositor o Musicaria Brasil relembra algumas de suas histórias


MANGUEIRA


EMOÇÃO INDESCRITÍVEL

Eu sempre sonhava um dia tocar na bateria da Mangueira.

Em 1973, quando voltei a morar no Rio, tratei logo de correr atrás do meu sonho.

Comprei um tarol, pratiquei bastante, fui procurar o Jamelão e expliquei a ele o meu desejo.

Ele, com seu jeito característico, me perguntou: "Mas você toca mesmo, Silvio?

Vê lá, heim!"

Eu disse a ele que ficasse tranquilo, que eu não iria comprometer a sua recomendação.

Ele me levou a todos os Chefes de Bateria e, depois de muita batalha, fui aceito.

Que alegria!

Comecei a frequentar os ensaios e, aos poucos, fui fazendo camaradagem com os músicos, ganhando "dicas" preciosas, aprendendo a conviver num grupo tão especial como aquele.

Quando percebi que havia sido aceito numa das alas mais fechadas da Mangueira

(as outras eram: a Ala dos Compositores e a Ala das Baianas), minha responsabilidade ficou maior.

Passei a me empenhar muito mais.

Uma noite, durante o ensaio, um jovem tocador de surdo que estava a meu lado fez uma "firula", destoando do estilo tradicional da Escola.

Mestre Valdomiro, figura lendária na Mangueira e no mundo do samba, do alto dos seus setenta e tantos anos, desceu do lugar de onde regia a bateria, tomou a baqueta das mãos do garoto e deu com ela na cabeça dele com vontade.

Arrancou o instrumento de suas mãos e o expulsou dali.

O menino não esboçou nenhuma reação.

Quando ia voltando para o seu lugara,, o Mestre parou no meio do caminho, virou-se, veio até onde eu estava e me olhou de cima a baixo.

Fiquei gelado.

Depois do que tinha presenciado, esperei pelo pior.

Ele se abaixou, colocou os ouvidos pertinho do tarol e ficou escutando com toda a atenção.

Eu suava frio. Quase perdi o ritmo, mas me controlei e continuei tocando.

Ele se ergueu, me olhou mais uma vez e voltou pro seu lugar, sem dizer uma palavra.

Naquele momento, respirei aliviado, mas hoje, quando penso no que poderia ter acontecido, meu coração bate acelerado.

Durante mais alguns anos vivi o meu sonho e fiz muitas amizades naquela comunidade, que, com o tempo e a convivência, aprendi a amar e respeitar.

Hoje, Mestre Valdomiro é uma lembrança e uma saudade.

A Mangueira continua a morar no meu coração.

Tocar na sua bateria foi ( e sempre será ) uma emoção indescritível.

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Por Luiz Américo Lisboa Junior


MUTANTES - 1969


Nos anos cinqüenta a turma da juventude transviada invadia o espaço público com suas atitudes rebeldes embaladas numa musica com um ritmo dançante acompanhadas por guitarras elétricas, ou violões elétricos que deixavam todos num grande frenesi. No inicio apesar da atitude contestadora de rompimento com padrões conservadores traziam em suas letras contraditoriamente mensagens açucaradas, muitas com um certo toque adolescente, quase infantil. No Brasil esse ritmo batizado de Rock and roll, teria sua primeira geração formada por nomes como os irmãos Tony e Cely Campelo, Rony Cord e Sergio Murilo. Suas canções em sua grande maioria eram versões de sucessos americanos que agradavam em cheio os jovens que se identificavam com a sua energia e filosofia de vida, mascando chicletes, andando de lambretas, os cabelos com topetes e brilhantina e vestidos com blusões de couro. Essa rebeldia ingênua caracterizou um tipo de comportamento social que daria novos rumos a musica popular brasileira, mesmo que alguns não a considerassem como tal, já que na mesma ocasião disputavam a preferência do público com os artistas da Bossa Nova. Seja como for depois do surgimento do rock nossa canção popular jamais seria a mesma.

A partir os anos sessenta os brotos comandavam parcela significativa da cena musical tupiniquim, e após terem se inspirado em seus ídolos da década anterior chegavam com toda a força para marcar presença, desse modo, conjuntos, compositores e intérpretes como Renato e Seus Blue Caps, Snakes, The Jet Blacks, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Jerry Adriany e Wanderleia, provocaram uma verdadeira febre entre os jovens empunhando guitarras e compondo uma trilha musical que tinha em suas letras uma alienante mais romântica mensagem que sacudiu o Brasil com o nome Jovem Guarda. Vivíamos então um cenário de incertezas políticas e sociais, contudo, todas essas questões que inquietavam a nação passaram ao largo e os jovens mandaram ver, principalmente quando explodiu no planeta a bomba Beatles, ai, tudo era iê iê iê, apesar da guerra às guitarras promovida pelas brilhantes cabeças pensantes da MPB, um time de compositores e intérpretes que faziam com talento inigualável o contra ponto da alegria rebelde da turma que achava que tudo “era uma brasa, mora!”.

Este cenário rico de valores artísticos estaria portanto vulnerável à chegada a cada momento de novos e arrebatadores personagens para compor a geléia geral brasileira, e assim em 1967 a Tropicália liderada por Caetano Veloso e Gilberto Gil tomam conta da cena e com eles surge então um grupo de rock com uma proposta bem diferente das melodiosas, infantis/rebeldes canções da Jovem Guarda, trata-se de Os Mutantes, o nosso primeiro conjunto tipicamente rock and roll que vieram para bagunçar o coreto desse circo chamado Brasil. Formado em São Paulo pelos irmãos Arnaldo e Sergio Dias Batista e por Ria Lee Jones, estrearam no programa O pequeno mundo de Ronnie Von, na TV Record em 1966 e no ano seguinte foram convidados para acompanhar Gilberto Gil na musica Domingo no parque, no III Festival de Musica Popular da TV Record. 
Seu talento conquistou todo o grupo de baianos que lideravam a cena musical e passaram então a acompanhá-los em apresentações e gravações, participando inclusive do legendário LP Tropicália ou panis et circensis, lançado em 1968, ano em que gravaram também seu primeiro disco pela gravadora Polydor em que registraram canções de sua autoria e também de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Bem. Aliás o ano de 1968 foi de grandes conquistas para Os Mutantes, recebendo o Troféu Imprensa como o melhor conjunto musical e o convite para se apresentarem no MIDEM, o Mercado Internacional de Discos e Editores Musicais realizado em Cannes, na França.

O caminho portanto estava aberto para o grupo e em 1969 surge um novo LP novamente tendo como titulo o nome do conjunto. Nesse disco são lançados vários sucessos permanentes como Dom Quixote e Caminhante noturno, de Arnaldo Batista e Rita Lee e 2001, de Tom Zé e Rita Lee. A irreverência, uma das suas mais fortes características verifica-se em Dom Quixote, que inclui na introdução uma citação a ópera Aída, de Giuseppi Verdi terminando com um deboche e uma citação a Chacrinha e sua barulhenta buzina. Já em Caminhante noturno, há uma mistura de sons distorcidos, misturando vaias e a voz de um robô, numa alusão ao Robô B9 da serie Perdidos no Espaço, gritando, “Perigo! Perigo! Rota de colisão! É proibido proibir” acompanhado de um fundo sonoro gravado da platéia do Marcanzinho durante a apresentação de Caetano Veloso no III Festival Internacional da Canção do ano anterior, gritando em coro e aos berros, Bicha! Bicha! 

Com um som moderno, inventivo e livre de amarras, Os Mutantes promoveriam diversas inovações neste LP gravando por exemplo a musica Algo mais, composta pelo grupo e que era nada menos do que um jingle publicitário para uma campanha da Shell o que traria constrangimentos a gravadora Philips, mas que acabou consentindo com a sua inclusão. Os Mutantes experimentavam sempre e tinham em Rogério Duprat e Cláudio César os responsáveis pela sonorização dos impressionantes efeitos produzidos nas suas canções. 

Com toques geniais e muito além do seu tempo tupiniquim, Os Mutantes realizaram um tipo de som que marcaria de maneira irreversível todos os outros grupos que iriam surgir na cena musical brasileira, já que foram os pioneiros não somente nos arranjos e no toque vanguardista de suas musicas como também na irreverência visual de suas apresentações. O nome já esta na história e a alegria compromissada desses jovens lá nos idos dos anos de chumbo, fizeram mais amenas as agruras de tempos difíceis demonstrando com muito talento que a criatividade brazuca pode realizar uma antropofagia cultural, comendo do lado de cima do equador suas impressões e ruminando uma linda e leve loucura nacional, com todos os adjetivos positivos que a nossa louca criatividade pode produzir.

Músicas: 
01) Don Quixote (Arnaldo Batista/Rita Lee)
02) Não vá se perder por aí (Raphael Vilardi/Roberto Loyola)
03) Dia 36 (Johnny Dandurand/Mutantes)
04) 2001 (Rita Lee/Tom Zé)
05) Algo mais (Mutantes)
06) Fuga N 2 (Mutantes)
07) Banho de lua (B. de Filippi/F. Migliacci/Versão Fred Jorge)
08) Rita Lee (Mutantes)
09) Qualquer bobagem (Tom Zé/Mutantes)
10) Caminhante noturno (Arnaldo Batista/Rita Lee)

terça-feira, 29 de outubro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*


Deus é mulher

“Falta ‘sim’ nessa tua oração”, canta Elza Soares em “Credo”, canção de Douglas Germano a serviço do sim à vida dado pela cantora depois do trevoso A mulher do fim do mundo. Este ‘sim’ é esconjuro (via pinga e rapé tsunu), é convite ao convívio e é clareza do uso da voz banhada em luminosidade.
Elza Soares encerrou o disco de 2015 entoando os versos “Levo minha mãe comigo pois deu-me seu próprio ser” (“Comigo”, Romulo Fróes e Alberto Tassinari), deixando a senha para o que viria a ser – corpo e espírito – o disco Deus é mulher (2018): materno, madona, acolhedor. A persona vocoperformática de Elza Soares precisava ter “por bandeira um pedaço de sangue / onde flui a correnteza do canal do mangue” (“Coração do mar”, Oswald de Andrade e José Miguel Wisnik, 2015) para poder afirmar, além do emblemático título do recente disco, os versos de abertura: “Mil nações moldaram minha cara / Minha voz uso pra dizer o que se cala / Ser feliz no vão, no triz é força que me embala / O meu país é meu lugar de fala” (“O que se cala”, Douglas Germano). Versos que ecoam os bíblicos “Mil cairão ao teu lado, e dez mil, à tua direita, mas tu não serás atingido” (Salmos 91) e enchem o canto de Elza de verdade mítica. Mas tudo no melhor estilo canibal de quem “bebeu veneno e vai morrer de rir” (“Dura na queda”, Chico Buarque, 2002).
Os versos de Chico Buarque parecem significar (dar sentido) novamente a voz pré-pós-entre de Elza de Soares. Basta lembrar os versos que dizem que “para quem sabe olhar / a flor também é ferida aberta / e não se vê chorar”, para estabelecer o diálogo com os versos de “Dentro de cada um” (Luciano Mello e Pedro Loureiro): “A mulher de dentro de cada um não quer mais silêncio / A mulher de dentro de mim cansou de pretexto / A mulher de dentro de casa fugiu do seu texto”. Aqui a voz é acompanhada pela percussão de Ilú Obá de Min, associação paulistana que tem como base o trabalho com as culturas de matriz africana e afro-brasileira e a mulher. “A mulher é você / A mulher sou eu”, canta Elza da encruzilhada das lutas identitárias e da justiça social.
No atual contexto de disputas e afirmações narrativas, de revisão total do passado, que outra cantora pode dizer “o feminismo sou eu” e condensar legítima e tragicamente vozes silenciadas? Deusa de ser, promotora de sujeitos cancionais que afirmam o amor, Elza performatiza na voz artística o lugar de fala de quem existe para além (ou à margem) da norma. Mãe, na voz de Elza, Deus é a possibilidade de transcendência negada na vida ordinária: “Nosso eco se mistura na canção”.
Não há mais limites entre palco e rua, arte e vida. Centrar-se nesta dobra estética e ética – “Entre a boca de quem assopra e o nariz de quem recebe o tsunu” (“Exu nas escolas”, Kiko Dinucci e Edgar) – autoriza Elza Soares a ser emblema da multidão. Se entendemos multidão como o encontro de identidades, Elza é a entidade-deus que pode cantar “Já faz tempo que eu perdi a direção” (“Hienas na TV”, Kiko Dinucci e Clima) e “Eu não obedeço porque sou molhada / (…) / Eu vou pingar [como uma pomba da espírita santa] em quem até já me cuspiu” (“Banho”, Tulipa Ruiz).
E é nesse gesto de afirmação do contraditório, desse sim à vida, repito, – de “de repente anunciar a ilusão que se perdeu” (“Clareza”, Rodrigo Campos) e mesmo assim “levantar o sol” – que Deus é mulher. Ao mesmo tempo em que purifica, descarrega, aterra (seja com pinga, seja com tsunu) o ouvinte, denunciando a higienização histórica dos corpos e o embranquecimento cultural. Elza ergue o matriarcado na canção, no canto individual porque coletivo: “Nós não temos o mesmo sonho e opinião / Nosso eco se mistura na canção / Quero voz e quero o mesmo ar / Quero mesmo é incomodar / Tem a voz que diz que não, não pode ser / Mas eu digo sim, sim pro que eu quiser” (“Língua solta”, Alice Coutinho e Rômulo Froés). Elza Soares ressoa o diverso, o diferente, a alteridade, a outridade.
Sabemos que é difícil tratar da ideia de matriarcado e não pensar na ruptura antropofágica proposta por Oswald de Andrade. Mas no caso de Elza Soares o mito de tolerância racial e sexual está devidamente devorado. Se há na seletividade como arma crítica proposta pela revisão oswaldiana para a experiência do primitivo uma eliminação de determinadas diferenças, posto que só se devora o que interessa, em Elza Soares o preconceito não é abafado. Elza come Oswald. “Eu quero dar pra você / Mas eu não quero dizer / Você precisa saber ler”, canta em “Eu quero comer você” (Alice Coutinho e Romulo Fróes). Apontando, por sua vez, a propagada dificuldade de interpretação de texto na atualidade.
O matriarcado aqui é experimentado no corpo e na voz autorizada de Elza: “Enxáguo a nascente / Lavo a porra toda” (“Banho”). A mãe não é mais (apenas) a mãe terra “que teria acolhido amorosamente os viventes, os imigrados e os traficados” (Roberta Barros, Elogio ao toque, 2016, p. 55). A corporeidade (a vocoperformance) de Elza é a um tempo metáfora, diagnóstico e terapêutica do país. Metáfora orgânica do corpo de mulher negra, diga-se. Metáfora que, para desestabilizar a norma, exige um ouvinte que saiba ler. “Dura na queda”, “mulher do fim do mundo”, Elza agora convoca: “vamos juntas que tem muito pra fazer, vamos levantar o sol”. Diagnóstico do estado de coisas brasileiras, de “carne mais barata do mercado” (“A carne”, Marcelo Yuka, Seu Jorge, Wilson Cappellette) a “o meu país é meu lugar de fala”, “Se Jesus Cristo tivesse morrido nos dias de hoje com ética / Em toda casa, ao invés de uma cruz, teria uma cadeira elétrica”. E terapêutica: “Nosso país, nosso lugar de fala”; “Exu nas escolas”; “Eu vou pingar em quem até já me cuspiu”; “A mulher é você”. Eis a poética: “a coragem é língua solta e solução / (…) se tudo é perigoso, solta o ar”.
Em diálogo, as canções do disco compõem a teia polimultivocal que a Elza Soares, já devidamente entronizada na ancestralidade e na realeza, é. Os miasmas densos de A mulher do fim do mundo foram transvalorados: “o mundo [não] vai terminar num poço cheio de merda” (“Luz vermelha”, Kiko Dinucci e Clima, 2015). Claro, contanto que a mulher que há em cada um venha. “A mulher de dentro da jaula prendeu seu carrasco”, canta. “E vai sair / De dentro de cada um / A mulher vai sair / E vai sair / De dentro de quem for / A mulher é você / Sou eu”.
Eis o ‘sim’ à vida, a esperança possível: que a mulher mítica e real que Elza (re)apresenta venha e ensine-nos a dizer o seu ‘sim’. O sim que muda a face da terra. Afinal, é preciso coragem e clareza: “Sim, digo sim pra quem diz não / E pra quem quiser ouvir, eu digo não / Não, digo não porque eles vêm / Eles vêm pra devorar meu coração” (“Hienas na TV”). Se urge dizer ‘sim’ à vida, é preciso dizer ‘não’ aos devoradores de existências.
Nessa economia estética, os versos de outrora “esse país vai deixando todo mundo preto e o cabelo esticado” (“A carne”) dialogam com a afirmação atual “A mulher é você” (“Dentro de cada um”), no sentido de perceber no diagnóstico a terapêutica, no tabu o totem, no veneno o remédio. “Exu te ama. E ele também está com fome. E as merendas foram desviadas novamente”.
O elemento vivencial direto propõe a expansão da clareza de consciência solar. Eis o elemento transgressivo: lugar de fala é lugar de diálogo, real, sem mascaramento, sem silenciamento de nenhum dos interlocutores. Elza propõe horizontalidade. E isso também distingue A mulher do fim do mundo de Deus é mulher. Enquanto o primeiro é diagnóstico cru, crítica social (quase) sem mediação metafórica, o segundo é centelha dourada a iluminar uma profusão de subjetividades. Marielle, presente! Matheusa, presente!
Das trevas à luz. Há luz na voz e nos acompanhamentos (frevo, funk, punk, samba) da Elza de 2018. Mais sugestão, menos grito: “Por que só gritar? / Por que nunca ouvir?”, pergunta. No jogo representacional, além do “eu” que fala por “nós”, há um “eu” que fala por “si”, expondo-se solar, luminoso. O matriarcado evocado e cantado por Elza Soares empodera subjetividades e corpos profanados pela tirania patriarcal messiânica: “Credo, credo / Sai pra lá com essa doutrinação / Credo, credo / Eu não quero o medo me dando sermão / Credo, credo / Falta sim nessa tua oração” (“Credo”, Douglas Germano). Mas faz isso sem impor uma epistemologia de verdade. Ao contrário, chama à reflexão.
Esse matriarcado restitui o lugar central dos encontros, do diálogo, do silêncio sem hierarquia. Elza entende isso ao perguntar: “Pra que separar? / Pra que desunir? / Por que só gritar? / Por que nunca ouvir? / Pra que enganar? / Pra que reprimir? / Por que humilhar e tanto mentir?” (“O que se cala”).
“Exu nas escolas” confirma esse projeto da deusa: “tomar de volta alcunha roubada de um deus iorubano”. “Exu nigeriano”. E o desejo se reafirma quando Edgar discursa: “Quebrar o tabu e os costumes frágeis das crenças limitantes, mesmo pisando firme em chão de giz”. E completa: “As escolas se transformaram em centros ecumênicos. Exu te ama e ele também está com fome. Porque as merendas foram desviadas novamente. Num país laico, temos a imagem de César na cédula e um ‘Deus seja louvado’”. Exu nas escolas é reparação histórica. Ainda tratando da educação dos sentidos, em “Credo” Elza diagnostica que “o amor é um deus que não cabe na religião”. E é este amor-sol que Elza anuncia e para o qual convoca e encoraja “Somos duas nós e todas nós / Vamos levantar o sol / Por nós, só nós / E o mundo inteiro pra gritar” (“Língua solta”).
E porque a história é circular, embora devesse ser também espiralada para o alto que incorpora o baixo, o centro e a margem, Elza termina o disco afirmando “Deus é mãe”, depois de cantar que “Deus há de ser fêmea / Deus há de ser fina / Deus há de ser linda” (“Deus há de ser”, Pedro Luís). E, assim, unida a todas as ciências femininas, essa máquina de ser Deus que o humano é irrompe no canto devorador da Elza Soares que anteriormente afirmara: “Não me venha com esse papo sobre a natureza / Cada um inventa a natureza que melhor lhe caia” (“Um olho aberto”, Mariá Portugal).
Deus é amor. Deus é mulher. A mulher sou eu. Elza é Deus. Deus Elza se apresenta diante do ouvinte enunciando vozes que da margem forjaram o centro e devem ocupar a centralidade roubada através da afirmação da existência: entre dores e delícias, levantar o sol.











* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

LIVRO ESGOTADO HÁ 15 ANOS SOBRE A IMPORTÂNCIA DE VILLA-LOBOS NA MPB GANHA NOVA EDIÇÃO

Com primeira tiragem reduzida apenas no Rio de Janeiro, “Villa-Lobos e a Música Popular Brasileira, uma Visão sem Preconceitos”, de Ermelinda Paz, é reeditado pela Tipografia Musical, com atualizações e nova arte gráfica



Quinze anos depois de uma tiragem reduzida e local – na época, conseguida através do patrocínio da Eletrobrás, pela Lei Rouanet – uma obra prima da literatura musical ganha sua segunda edição, agora com distribuição nacional, revisitada e atualizada. O livro “Villa-Lobos e a Música Popular Brasileira, uma Visão sem Preconceitos” (Ed. Tipografia Musical, preço médio R$ 55,00, 207 páginas), da renomada pesquisadora e professora Ermelinda Paz, é fruto de um estudo iniciado há 30 anos, quando a autora ganhou um concurso de monografias com esse tema.

Baseando-se em testemunhos, fotografias, documentos de época, reportagens, Ermelinda reuniu em sua publicação tudo (ou quase tudo!) que se publicou sobre ele e os discos lançados com suas músicas (centenas de obras). Através de um texto fácil, acessível, sem deixar de lado o rigor acadêmico na ampla pesquisa, o livro destrincha a vida de Villa-Lobos desde novo, na segunda década do século passado, quando jovem e muito empobrecido pela morte prematura do pai, Villa-Lobos decide vender livros raros que herdara para poder financiar o seu sonho de viajar pelo país. As dificuldades financeiras também o levaram a trabalhar como músico de operetas e de cinema (na época, grupos ou solistas animavam as ante-salas). A sua contribuição na educação musical juvenil, através do Canto Orfeônico – que reunia milhares de jovens e crianças em Estádios – também foi bastante aprofundada pela autora, que ainda ressalta o verdadeiro objetivo do maestro em educar socialmente através da música, não apenas uma exibição artística ou recreativa. O maestro não apenas levava música para multidões, mas também se protagonizou como, provavelmente, o primeiro músico erudito a reconhecer o valor das manifestações populares, compondo inclusive para o violão, um instrumento marginalizado e bastante desprivilegiado na época.

Filho de um intelectual que gostava de promover saraus musicais em casa, recebendo a nata dos músicos populares, como Pixinguinha, Sinhô, João da Baiana e Donga, Villa-Lobos tinha uma especial relação de amizade e companheirismo com Cartola – através de testemunhos, o leitor se surpreenderá com hábitos pouco conhecidos do maestro, como seu interesse especial em prestigiar e vivenciar por tantas horas o Buraco Quente (pé do morro), na Mangueira.

Assim como Pixinguinha e outros músicos da época, Villa-Lobos também tinha o seu mecenas, Carlos Guinle, a quem sempre se preocupava em registrar, em cartas, a devida prestação de contas e o não desperdício – publicadas no livro, muitas dessas cartas revelam também a grande preocupação de Villa-Lobos em cuidar bem de sua obra e de afirmar sua gratidão pelo patrocínio. O livro traz também depoimentos de músicos variados, como Tom Jobim, Wagner Tiso, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Elizeth Cardoso, Herivelto Martins, João Pernambuco, Vicente Celestino, Nana e Dorival Caymmi, dentre muitos outros grandes nomes da música brasileira, todos revelando o quanto de Villa-Lobos existe em suas composições.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

PAUTA MUSICAL: MÁRIO REIS - A ARTE DE INTERPRETAR O SAMBA

Por Laura Macedo



O cantor carioca Mário Reis (31/12/1907 - 5/10/1981) completaria 105 anos. Ao longo da sua trajetória tornou-se um dos melhores cantores, revolucionando a arte de interpretar o samba.

Sua paixão pelo samba veio através de Sinhô, que ele casualmente conheceu numa loja de instrumentos musicais, quando era aluno de violão de Carlos Lentine, violonista que integraria, na década de 30, o Regional de Benedito Lacerda. Admirador da obra do “Rei do Samba”, como Sinhô era chamado, passou a tomar aulas de violão com ele. Logo estava gravando os sambas de Sinhô, a exemplo de “Jura”. O sucesso foi imediato e, a partir dalí, Mário Reis conquistaria um lugar definitivo entre os melhores cantores brasileiros.

ELIMINAÇÃO DO BRASIL NA COPA DO MUNDO FEZ MÚSICA DE JACKSON DO PANDEIRO FICAR 53 ANOS 'PERDIDA' - PARTE 02

No centenário de Jackson do Pandeiro, colecionador da PB encontrou 'Garota de Botafogo' em um compacto lançado em 1966. Descoberta também muda história de 'Frevo do Tri'.

Por Diogo Almeida, G1 PB



Compacto simples com "Garota de Botafogo", música "perdida" de Jackson do Pandeiro — Foto: Jocelino Tomaz/Acervo pessoal



Identificação do ano de lançamento

O disco que contém “Garota de Botafogo” é no formato compacto simples, de 33 ⅓ rotações por minuto (RPM), com duas faixas, sendo uma de cada lado. No lado A, está a faixa “Frevo do Tri”, também de Jackson. Já a composição ‘perdida’ aparece no lado B. O vinil contém o selo fonográfico da Continental, da então gravadora Gravações Elétricas S.A., porém não há nenhuma marca indicando o ano de gravação.

“De cara, duas coisas me chamaram a atenção para a possível data de lançamento do disco. Uma foi o design do selo fonográfico e do número de série do compacto, que pelas características azuis e brancas o colocaria entre os lançamentos de 1966; e outra foi o fato de que Jackson só passou um ano nessa gravadora”, explica o pesquisador de forró e vinil Érico Sátiro, para quem Jocelino mostrou o material.

Capa do LP "O Cabra da Peste" (1966), de Jackson do Pandeiro — Foto: Reprodução


“Garota de Botafogo” foi escrita por Álvaro Castilho e por De Castro. A mesma dupla é responsável por “Capoeira Mata Um”, música que abre o álbum “O Cabra da Peste”, lançado em 1966 e o único LP de Jackson do Pandeiro pelo selo Continental.

“Somente uma coisa não batia com a probabilidade do disco ter sido lançado em 1966. O fato de que o lado A do disco descoberto por Jocelino ter a música ‘Frevo do Tri’, que aparece em todos os registros da discografia de Jackson como sendo lançada no ano de 1970, após a Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, em um compacto simples que tem ‘O Caneco é Nosso’, do Coral 70, como lado B”, diz Érico.

Duas hipóteses foram levantadas por Érico e Jocelino. Ou o disco “Frevo do Tri/Garota de Botafogo” foi lançado em 1970 como uma versão alternativa a “Frevo do Tri/O Caneco é Nosso” ou ele saiu em 1966, no ano em que o Brasil perdeu a copa. O que colocaria a faixa “Frevo do Tri” como tendo sido escrita quatro anos antes da conquista da Taça Jules Rimet pela terceira vez.

Uma vez que nenhuma biografia continha a música “Garota de Botafogo” e que todos os registros de “Frevo do Tri” eram datados de 1970, o pesquisador precisou fazer uma busca mais extensa em arquivos de jornais e até mesmo conversou com um dos diretores da gravadora na época.

Jackson do Pandeiro — Foto: Reprodução



Amarga derrota e vendas fracassadas


A Seleção Brasileira de Futebol, como defensora do título de 1962, se classificou automaticamente para a Copa do Mundo FIFA de 1966, sediada na Inglaterra. Mesmo entrando como favorita e com Pelé e Garrincha na escalação, o time comandado por Vicente Feola não teve um bom desempenho na competição.

Ainda na fase de grupos, a seleção venceu a Bulgária por 2 a 0, mas perdeu para a Hungria por 3 a 1 e foi eliminada após uma nova derrota, também de 3 a 1, em um jogo contra Portugal, em 19 de julho de 1966. O Brasil acumulou apenas dois pontos e ficou em 11º na classificação final, frustrando o sonho do tricampeonato.
Comemoração do segundo gol de Eusébio no jogo em que Portugal venceu por 3 a 1 e eliminou a Seleção Brasileira da Copa do Mundo FIFA de 1966, na Inglaterra — Foto: Reprodução/Globoesporte.com



Um artigo publicado no Jornal do Brasil no dia 20 de julho de 1966, o dia seguinte à amarga derrota para Portugal, mostrou a repercussão da eliminação da seleção com os torcedores e também com os lojistas.

"Várias agências de publicidade já estão cancelando anúncios com base no clima da Copa do Mundo, as gravadoras suspenderam a prensagem de discos sôbre os jogos do Brasil e o comércio não sabe o que fazer com mais de vinte mil canarinhos tri, de plástico, estocados para venda na fase final da campanha em Londres", diz o texto de uma reportagem de repercussão da partida intitulada "Paulistas sofrem e pensam numa crise", diz o texto.

Em outro trecho, com um intertítulo de "A Mudança", o jornal repercute o que poderia acontecer com as gravadoras, em particular. O texto erroneamente cita "Trevo do Tri", ao invés de "Frevo do Tri".

"A indústria de discos deverá ser bastante afetada pelo fracasso da seleção brasileira. A Continental havia planejado um grande lançamento para o disco Trevo do Tri, de Jackson do Pandeiro. A RCA Victor preparou duas fitas sôbre os jogos do Brasil para gravação em long-play e a RGE já tinha capa pronta para um disco sôbre o tricampeonato", relata o artigo.

Recorte de artigo de repercussão da derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1966 publicado no Jornal do Brasil em 20 de julho de 1966 — Foto: Reprodução/Jornal do Brasil


Com essas informações, Érico Sátiro encontrou a resposta para uma das perguntas. “Frevo do Tri” definitivamente havia sido planejada e escrita para o ano de 1966. Mas ainda faltava saber se ela chegou a ser lançada no ano da derrota ou só em 1970, com outro lado B que não “Garota de Botafogo”.

“Tudo ficou esclarecido depois que consegui conversar, por e-mail, com Biaggio ‘Braz’ Baccarin, que foi diretor artístico do selo Chantecler, que também era da Gravações Elétricas S.A., assim como a Continental”, explica Érico.

O diretor confirmou que o disco chegou a ser comercializado, mesmo com a derrota do Brasil, pois havia a música “Garota de Botafogo” para ser explorada. Porém, como especulou o Jornal do Brasil, a eliminação da Seleção Brasileira fez com que o público perdesse o interesse por qualquer coisa relacionada à Copa do Mundo naquele ano e o disco foi um fracasso de vendas.

Conforme Braz Baccarin explicou ao pesquisador, por causa das baixas vendas, os discos encalhados foram recolhidos e a gravação foi retirada do catálogo da gravadora, tendo apenas um lote sendo colocado à venda. “Esse é o motivo dessa raridade do disco”, pontua o ex-diretor no e-mail.

Jocelino Tomaz segura disco que contém "Garota de Botafogo", música "perdida" de Jackson do Pandeiro — Foto: Jocelino Tomaz/Acervo pessoal

“Fiquei feliz em fazer a descoberta justamente no ano do centenário. Não só é a divulgação de uma música que há mais de 50 anos ficou esquecida do público, como também a pesquisa sobre ela mudou o curso da história da composição ‘Frevo do Tri’. Com certeza é algo para se comemorar”, completa o colecionador - e agora dono de uma raridade - Jocelino Tomaz.

A Continental relançou “Frevo do Tri” com a enfim conquista da taça em 1970, no México. Antes disso, em 1967, Jackson do Pandeiro ainda deixou registrada a revolta com o resultado da Copa do Mundo de 1966 criticando a vitória da Inglaterra na música “A Taça Era Dela”, a última do disco “A Brasa do Norte”. Ouça a música "Garota de Botafogo" na íntegra no vídeo abaixo.


Letra de “Garota de Botafogo”
Composição: Álvaro Castilho e De Castro
Intérprete: Jackson do Pandeiro

Lá em Botafogo tem uma garota
Que tá quase louca só fala em casar
E só namora no canto do muro
Num lugar escuro pra ninguém olhar

Gosta de cinema, rádio e futebol
Na roda do samba ela é a maior
Sai acompanhada mas só volta só
Diz que tem 20 anos e não é de menor

JPB1 mostra legado deixado por Jackson do Pandeiro
JPB 1ª Edição

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