Por Luiza Melo
A matutice de Maciel Melo é cultivada como algo sagrado e imaculável. O "neguinho enxerido" de Iguaraci, no Sertão do Pajeú, veio ao Recife em 1981. Morou em Salvador, São Paulo e no Rio de Janeiro, mas o coração sertanejo fala mais alto. "Saí do mato, mas o mato não saiu de mim. Escrevo sobre o mar e, de repente, aparece um jumento, uma lagartixa. Eu que tiro, tento tanger", brinca, em entrevista no apartamento, no Rosarinho.
No lar, móveis de madeira. Nada antigo, pois "o povo cobra os olhos da cara". Quando chegamos, ele tirava das mãos os restos da cola utilizada para fixar pedrarias à jaqueta jeans, parte do figurino. "Artista tem que andar fantasiado, engraxado, engomado", argumenta.
Escrevinhador de palavras, como ele se define, começou a rascunhar uma biografia romanceada em viagem à Bahia, há três anos. Parceiro de Geraldo Azevedo, Jessier Quirino, Alcymar Monteiro e Petrúcio Amorim, confessa gostar mais de fazer letras que melodias.
A história do Neguinho de Heleno, alter-ego do forrozeiro, seria o encarte do DVD comemorativo dos 30 anos, gravado em 2012, no Teatro Boa Vista, com lançamento previsto para o próximo semestre. Tinha tudo para ser, menos tamanho. Com 200 páginas, A poeira e a estrada (Carpe Diem, R$ 50) conta as histórias que o matuto viu e vivenciou.
Maciel escreve sobre a infância e juventude no Sertão, de onde saiu embalado pelo sonho de ser artista, até a conquista de um posto respeitável entre os forrozeiros nordestinos, ressaltado pelo título de homenageado do São João do Recife 2013, ao lado do coreógrafo e pesquisador Mika Silva. Explica por que desistiu de ser um mega star. "O cabra não pode ir na bodega, sair na rua”, diz o fã de mercados. “E todo mundo me respeita, o flanelinha me reconhece. Está ótimo. Gosto mais de foto, porque autógrafo o cabra rasga". Ele já tietou Elomar (Figueira de Melo) e Gilberto Gil, mas prefere não chegar perto, para não se decepcionar, de Milton Nascimento, Djavan, Chico Buarque (“o maior de todos”, que escuta todos os dias, desde os 17 anos)."Se eu tiver oportunidade de encontrar no elevador, puxar assunto, vou futucar. Mas, até lá, não".
Caboclo sonhador, claro, tem destaque na narrativa. A canção, sucesso na voz de Flávio José, em 1992, e estourada com Fagner e Amelinha, em 1993, foi a reviravolta na carreira de Maciel. "Foi com ela que comprei telefone, carro", recorda. Em 2012, o neguinho foi escolhido para representar Luiz Gonzaga em tributo no Lincoln Center, em Nova York. E, 30 anos após a autoria de Caboclo sonhador, decidiu dividir em prosa e versos suas andanças.
O forró está bem?
Mais ou menos, não vou mentir não, mas dá para viver. As rádios não tocam. Está todo mundo lançando disco, mas ninguém escuta. Ainda está difícil. As prefeituras contratam uma porrada de bandas e querem pagar para você uma mixaria. Sem preconceitos, pelo amor de Deus, mas é aquela coisa da dança, do oba-oba. Não vejo muito conteúdo.
Tudo que você imaginar. Dominguinhos é escola de todo sanfoneiro. Uma vez, perguntaram a Sivuca: “Quem é o maior sanfoneiro do Brasil?”. “Eu”. Aí o jornalista perguntou “E Dominguinhos?”. “Você perguntou do Brasil. Sou eu. Agora, do mundo, é Dominguinhos”.
Como você conheceu Dominguinhos?
Em Salvador, quando estava gravando meu primeiro disco de cantoria (Desafio das léguas, 1987), com participação de Xangai, Vital Farias, Décio Marques. Tinha um show dele e fui no camarim, morrendo de medo. Vi aquela pessoa simples, falando com todo mundo. Aí ele falou com um cabrinha todo mal-amanhado, pensei “vai falar comigo também”. Disse que sou de Pernambuco, estava gravando um disco e queria convidá-lo. Aí ele disse “estou hospedado no hotel tal, passe lá”. No outro dia, fui. E ele já estava na recepção do hotel, com a sanfona no braço. Aquilo me deu uma vontade de ser artista tão grande. Fiz um show com ele há pouco tempo, no Manhattan, antes da internação. Está filmado.