terça-feira, 22 de setembro de 2020

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*



Tristeza

O samba "Tristeza", de Niltinho e Haroldo Lobo, é um ótimo exemplo de como este sentimento é matéria sensível e orgânica para a canção. "Tristeza" tem mais de 500 regravações, de Jair Rodrigues a Julio Iglesias, de Maysa a Wilson Simonal. Além das versões para outros países, como Croácia e Eslovênia.
A canção é tão forte no imaginário cultural da nossa música que o compositor Niltinho (autor também do samba-enredo "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós, e que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz") passou a ser conhecido como Niltinho Tristeza.
A canção canta o desejo implícito de todo cantor: "cantando eu mando a tristeza embora", como diz o sujeito de "Desde que o samba é samba", de Caetano Veloso. Quiçá, "Tristeza" é hino que congrega e consagra um desejo humano de felicidade.
O gesto de cantar é tomado aqui como sinônimo de alegria. Cantar é viver, o contrário do silêncio. Porém, se "não haveria som se não houvesse o silêncio", tudo indica que não haveria alegria se não houvesse a tristeza. Tudo leva a crer que uma coisa é referendada e valorizada pela outra: pólos que se tocam em um abstracionismo infotografável.
A versão de Elis Regina - no compacto duplo Elis Regina em Paris (1968), disco que traz ainda a enigmática "Noite dos Mascarados" - reforça o poder de disseminação de uma mensagem universal, que contagiou vários cantores, e de diferentes frentes sonoras, da canção popular.


***

Tristeza
(Niltinho / Haroldo Lobo)

Tristeza, por favor vá embora
Minha alma que chora
está vendo o meu fim

Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero de novo cantar
Lái, á, lái, á




* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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