terça-feira, 17 de outubro de 2017

QUESTÃO DE TEMPO

Por Carlos Mauro




O mundo de agora se move a uma velocidade muito maior do que na época em que despertei minha atenção para a música de um modo especial. Hoje, a forma como se aprecia música reflete claramente essa "pressa" da vida atual. Performática por natureza, a música exige tempo do ouvinte para a sua fruição. Mas quem tem tempo para ouvir música? 

Eu mesmo confesso que não tenho disponibilidade para me sentar diante de um equipamento de som e colocar para tocar um disco (sim, sou do tempo em que se falava em "discos") com o único e exclusivo propósito de ouvir música. Boa parte dos meus amigos dizem que só ouvem musica quando estão no carro dirigindo-se de um lugar para o outro. Esta não é uma forma de audição dedicada pois, em regra e por questões de segurança, deve-se priorizar a atenção ao trânsito do que à música. Do contrário, o risco de o carro nos levar a um lugar e a musica nos transportar para outro. 

Duvido que, mesmo dentro de carros, alguém tenha tempo de ouvir atentamente as mais de três horas de música contidas na obra prima A Paixão Segundo São Mateus, de Johann Sebastian Bach. Está entre as obras musicais de que mais gosto. Porém há mais de quinze anos não a escuto de forma completa, dedicada e atenta. Aqueles que nunca a ouviram, poderão fazê-lo aqui

A julgar pelos primeiros seis minutos que ouvi, trata-se de uma execução excelente. É claro que esta é uma composição muito longa, estou dando um exemplo extremo. Mas serve para ilustrar o que estou dizendo. Para fruir desta maravilha composta por Bach, é necessário dispor de tempo. E, aparentemente, tempo é o que não se tem nos dias atuais, nem para ouvir belas canções de três minutos dedicando-se exclusivamente a elas.

Se Bach fosse um compositor de nosso tempo, certamente não comporia uma obra com mais de três horas de duração. Ao escrever sua música, iria pensar na forma como o público de hoje iria ouvi-la. Uma forma desatenta e não dedicada em que a música ocupa um lugar coadjuvante, sendo escutada enquanto se fazem "coisas mais importantes". Outra forma de consumo musical é o utilitário: dançam-se os ritmos da música ou colocam-se as melodias e harmonias nos espaços tal como se usam papéis de parede para criar um determinado "clima" no ambiente.

Por fim, a mais frequente das formas de audição musical não dedicada é a das tais "trilhas sonoras". De novelas, de seriados, de filmes, boa parte da música que se ouve hoje é "sem querer". Por conta disso, desenvolve-se um hábito social, uma atitude de "distração", de efemeridade em relação à música. Os músicos e compositores contemporâneos já perceberam isto. A questão é: considerando-se que o mundo atual expõe às pessoas em geral uma grande quantidade de estímulos que podem ser fruidos de imediato, como fazer com que o público renuncie por alguns momentos a todos estes estímulos imediatos para ouvir atentamente e de forma dedicada a música?

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