segunda-feira, 24 de julho de 2017

MINHAS DUAS ESTRELAS (PERY RIBEIRO E ANA DUARTE)*




25 - Separado de Bily

O mais triste de tudo foi quando meu pai re-solveu separar Bily e eu. Até aquele mo-mento, por pior que nos acontecesse, estávamos sempre juntos, tínhamos um ao outro. Meu pai me mandou para São Paulo aos 17 anos, para ficar morando com um de seus irmãos, Hedenir, saxofonista da Escola Pre-paratória de Cadetes do Exército. Em sua fixação para que seguíssemos a carreira militar, queria que eu fizesse concurso para essa escola. E, assim, fui separado também de minha mãe. Fiquei morando com meu tio na rua Apotribu, no bairro do Jabaquara, suportando o gênio maldito dele — me dava surras imensas e me submetia às mais terríveis formas de tratamento. Tinha até mesmo a petulância de proibir minha mãe de me ver! Eu tentava descrever para meu pai como meu tio me tratava, e o que ouvia em resposta era que eu mentia, era um vagabundo e não queria estudar. Fosse o que fosse que meu tio fizesse, devia ser para o meu bem . Reclamar com ele era inútil! Meu tio chegava ao ponto de me trancar num quarto, onde eu era obrigado a ouvir as coisas mais escabrosas sobre minha mãe. Como irmão do meu pai, tinha ódio mortal dela. O que fui obrigado a passar na casa dele não conseguiria narrar para ninguém. São Paulo recebia minha mãe como ver-dadeira rainha. Ela tinha seu próprio pro-grama de rádio na Tupi, também transmitido na televisão, que já engatinhava no Brasil. Os programas tinham uma audiência fora do comum. Seus discos tocavam sem parar e vendiam aos milhares. Mais uma vez, eu via a polícia ser chamada para garantir sua entrada ou saída da Tupi em meio à multidão. Era um sucesso! Um dia, estando em São Paulo para gravar seu programa e meu tio não permitindo que eu fosse ao seu encontro, ela veio atrás de mim no Jabaquara. Tocou a campainha. Lá de dentro, sem aparecer, meu tio gritava com ela, dizendo que fosse embora, pois eu estava proibido de sair. Indignada com seu atrevimento, ela tocou mais forte a campainha e bateu no portão até ele ir à porta. Meu tio disse que era ordem de meu pai que eu não saísse com ela. Armou-se então uma confusão ainda maior. Minha mãe, que já não era de muito papo, meteu o pé no portão, quebrando-o, enquanto pedia para um dos amigos que a acompanhavam para chamar a polícia. Com os vizinhos e a pró-pria polícia reconhecendo Dalva, foi mais fácil eu conseguir sair. Por causa de meu pai, ainda fiquei mais um tempo na casa do Jabaquara. Mas, depois desse dia, sob as condições impostas por minha mãe. Cheguei a fazer o exame para a Escola de Cadetes e, graças a meus esforços, fui re-provado. Ao ver isso, meu tio me ofereceu como castigo as fileiras do nosso glorioso Exército, uma forma de agradar a meu pai, que a todo custo queria me ver fardado. Passei a servir no 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, no interior de São Paulo. Como soldado raso, ganhava uma mixaria. Então, para ter um soldo um pouco mais condizente com minha escolaridade, tentei fazer o curso de cabo e assim melhorar minha vida no quartel. Mas a surpresa veio logo: apesar do ótimo resultado nos exames, fui recusado porque era filho de artistas. Tive de enfrentar a Infantaria, onde recebia ordens, na maioria das vezes, de uns analfabetos sem tamanho. Era terrível, mas era a vida. A minha vida! Continuei morando na casa de meu tio enquanto servia no Exército. Aos 18 anos, mesmo tendo de lavar e passar minha farda para vestir às seis da manhã seguinte, já começava a ensaiar uma forma de me ver livre não somente do meu tio, mas também de tudo o que representava estar em sua casa. Comecei a namorar uma moça chamada Magaly e fugi muitas vezes para ir vê-la no colégio em cima do túnel da avenida Nove de Julho, onde ela estudava. Acabei fazendo amizade com seu primo, a quem tenho grande gratidão e carinho. Cada vez mais amigos, fui convidado para ir morar com sua família e aceitei, emocionado em minha carência. De novo pude sentir o prazer de estar numa casa de verdade, sendo respeitado e querido por toda a família. Esse especial amigo meu, Luís Freddy Mastrocinque, ex-presidente do grupo Brastemp, é um irmão a quem devo muito e a quem gostaria de abraçar com mais frequência. Terminei o Exército morando com sua família carinhosa. Depois, me bateu a vontade de voltar para o Rio. Sentia muita saudade de minha mãe e de meu pai. 



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