sexta-feira, 28 de julho de 2017

CRÔNICA: GILBERTO GIL E A FOTO PERDIDA


Por José Teles 


No backstage, em Marciac


Gilberto Gil completou hoje 75 anos. Há 45 eu o vi pela primeira vez, no Teatro do Parque. Não tinha dinheiro pro ingresso. Por sorte faltou energia no Recife nesta noite. O teatro às escuras, pedi ao porteiro pra entrar e ele, talvez achando que o show não iria continuar, deixou. Gil se acompanhava ao violão, no escuro. O clima era meio tenso. Foi o primeiro show dele no Brasil desde que, três anos antes, fora banido do país com Caetano Veloso. Tinha um monte de artistas na plateia, Gal veio de carro de Salvador com uma turma, acho que Macalé e Capinam faziam parte.

Voltei a ver Gilberto Gil novamente em 1976, com Os Doces Bárbaros, no Geraldão. Antes um show no SESC em Santo Amaro, com Dominguinhos na sanfona, a turnê de Refazenda. Uma noite memorável, em que ele esgotou o repertório, e começou cantar rock and roll dos anos 50, Little Richard, Elvis Presley. A quarta vez, com certeza, foi com Jimmy Cliff, no Geraldão, em maio de 1980. Um showzaço, e teve ainda ele e Rita Lee, igualmente no Geraldão, com o Refestança.

Desde então não tenho ideia de quantas vezes o vi no palco, e fora dele, depois que passei a escrever sistematicamente sobre música. Foram dezenas de ocasiões. Já assisti a show de Gil aqui no Recife, Salvador, no Rio, em São Paulo, no exterior. Dos grandes nomes da MPB dos anos 60, acho que foi o que vi mais vezes, e o que mais admiro, não apenas pelo talento, mas igualmente pela maneira como vai se renovando sem forçar barra.

Quando cobria o PercPan, o festival de percussão que acontece até hoje em Salvador, embora em dimensões bem menores, passamos a nos cumprimentar. O festival começou em 1994, mas foi em 1996 que Gil começou a dividir a direção musical com Naná Vasconcelos, que também foi o curador até 2000, quando deixou de participar do PercPan. Gil continuou, com Marcos Suzano, por mais duas edições.

Com Naná ele improvisava deliciosas vinhetas entre uma atração e outra. Tenho várias gravadas em cassetes, a qualidade sonora sofrível. São muitas. Lembro de uma em que ele e Naná improvisam em cima de Samba de Lado, de Chico Science. Acho que a única gravada foi a que fez para As Ceguinhas de Campina Grande, uma das melhores, bela e curta canção composta para a apresentação, em 2000, das irmãs campinenses, que lembro cantando na feira de Campina Grande.

Acho que show de carreira vi todos desde então. A primeira vez no exterior foi em 2000, numa edição do PercPan em Paris, no parque La Vilette. Teve um show também marcante, dele com Caetano Veloso, o Tropicália 2, no Anhembi, em São Paulo. Foram quase três horas de música. Quando escrevia o livro do Frevo ao Manguebeat, em 2000, aproveitei um lançamento de um disco, O Sol de Oslo, para entrevista-lo sobre sua passagem por Pernambuco no começo de 1967, quando fez uma temporada no TPN, que o levou a maquinar o que seria batizado de tropicalismo. A entrevista foi num casarão de uma fazenda de café em, São Paulo.

Mas normalmente nos encontramos em coletivas, entrevistas individuais, depois de shows. Porém a única vez em que conversamos descontraidamente foi no backstage do festival de jazz, em Marciac, na França em 2010. Eu acompanhava a turnê européia da Spokfrevo Orquestra. Eram duas atrações por noite. No último dia a SFO abriria e Gil, que na época fazia a turnê do Fé na Festa, fecharia o festival.

O concerto da Spokfrevo seria, acho, às 19h, chegamos por volta das cinco. Marciac é uma cidade com pouco mais de mil habitantes, uma vila medieval, que nos dá impressão de que entramos no túnel do tempo. O palco do festival é montado fora dos muros que a circundam. Não se tem o que fazer em Marciac, a não ser entornar umas e outras nos bares, Ficamos, pois, fazendo hora no backstage.

Estávamos conversando abrobrinhas, Gil, maestro Spok e eu. Teve um momento, que algum dos músicos da SFO resolveu tirar uma foto com Gil. Ele posou, depois me olhou assim meio sério. Num rompante, me disse: “Dispa-se de suas vestes de jornalista e vamos tirar uma foto juntos”. A foto foi tirada. Era final de viagem, todo mundo ansioso pra voltar pro Brasil. O músico não se lembrou de me enviar a foto, e esqueci quem nos fotografou. Nunca vi, portanto, a foto em que me despi de minhas vestes de jornalista, ao lado de um artista que nunca se vestiu de estrela da MPB. Outro motivo para admirá-lo.

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