quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Depois de três décadas de lançado, "Cabeça de Nego" ainda é um dos discos mais difíceis de encontrar entre aqueles que pretendem completar em CD a discografia do cantor, instrumentista e compositor mineiro.


João Bosco - Cabeça de Nego (1986)


Em 1986, por uma questão de contrato, saíram dois discos. Fechando seu contrato com a Barclay, João fez o mais festejados deles, ao menos pela crítica: Cabeça de Nego (e ao erro de grafia, aqui, corresponde uma ênfase na carga afetiva do termo nego). E começando sua carreira com as gravações na CBS, foi feito o lançamento de Aiaiaia de mim. Em Cabeça de Nego ainda houve problemas com a Censura: na gravação original, em long-playing, hoje chamado de vinil, a tarja da capa proibia a execução pública de “Bote babalu pra pular no pagode”. Neste disco, três músicas-solo, como no anterior e no seguinte. Aqui, seguindo uma tendência esboçada em Gagabirô, a proposta de refazer os caminhos do som negro. Há duas faixas : “Bote babalu a pular no pacote” e a música-título, “Cabeça de Nego”. Do lado B, apenas uma, “João Balaio” . Duram, respectivamente, 3:24;5:35 e 3:56. Sobre essa gravação diz João, tentando explicar sua fascinação pelo som negro: “(...) Ata é uma negra que está conosco , quer dizer, com a minha mãe, com a minha família, desde que a minha mãe casou. E minha mãe casou muito jovem, com 17 anos. A minha mãe já tem mais de 70 anos, então esta senhora nos acompanha desde que era uma garota, uma adolescente. E sempre se referiu à família dela (...) como pessoas que teriam vindo da costa da África, principalmente o padrasto (...) E ela sempre falou uma língua portuguesa muito própria dela. E Ata sempre se pronunciou dentro de casa com seus temores de cultura, de uma pessoa que vem daquelas origens negras do Brasil, de nações africanas que aqui aportaram. Então toda a movimentação dela dentro da minha casa, ao longo de todos os anos, na comida, nos costumes, nos temores, toda a emoção dela era uma emoção de uma pessoa que pertence àquela gente.(...) talvez eu tenha, de forma bem próxima, familiar, tenha captado mais coisas dela do que de minha própria mãe. Ou talvez eu, pela musicalidade, talvez a música funcionasse como um dial, onde você sintoniza muito mais facilmente naquela rádio, daquela cultura, do que na rádio, por exemplo, da minha mãe, do meu pai. (...) Eu não sei, eu só sei que toda vez que me sinto meio em perigo, eu chamo por Ata, que é essa pessoa. Eu não sei o que quer dizer isso, mas se eu estou num avião, e o avião começa a jogar, eu digo: Ata, segura aí!... Se estou num show e estou sentindo uma certa dificuldade de comunicação, eu digo: “Ata, facilita aí!...(...) porque minha vó, mãe de minha mãe, era de um lugarejo lá em Minas chamado Barra Longa. E era uma pessoa também de tez mais escura. Mas falar que a gente tem tez escura no Brasil é um negócio em que estamos chovendo no molhado, porque é um país que é banhado por essa questão da cor mais negra e do índio.” (2ª. Entrevista ) É muito comum em João uma justificativa biográfica de seu trabalho, a causatividade entre sua vida e sua obra, mesmo naquilo que há de inconsciente, de – como ele parece encarar – atávico, até. Ao formular a pergunta eu esperava outro tipo de resposta, já que nem mesmo a negritude mais completa seria razão evidente. Esperava eu uma resposta que viesse de alguma predileção aprendida, ainda mais que certas produções dele passam por algum tipo de pesquisa. Mas Ata é uma justificativa surpreendente, que confirma a declaração de Grossgerg , da necessidade da paixão nos estudos contemporâneos – da paixão de quem produz, e da paixão de quem estuda produtor e produto. Senão, como fazer jus a ambos?

Faixas:
01 - Bote Babalu pra pular no pagode (João Bosco)
02 - Drobra a língua (Boto cor-de-rosa em Ramos) (Aldir Blanc - João Bosco)
03 - Cabeça de nego (João Bosco)
04 - Quilombo (Aldir Blanc - João Bosco) / João do Pulo (João Bosco - Aldir Blanc)
05 - Samba em Berlim com saliva de cobra (Aldir Blanc - João Bosco)
06 - João Balaio (João Bosco)
07 - Da África à Sapucaí (Aldir Blanc - João Bosco)
08 - Odilê, odilá (Martinho da Vila - João Bosco)


Fonte: Site oficial do artista

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