segunda-feira, 30 de novembro de 2015

30 ANOS DE AXÉ


Luiz Caldas e uma geração pioneira mudaram o som do Carnaval baiano. O cantor Luiz Caldas lançou o álbum Magia, em 1985, e o sucesso Fricote revelou a cena baiana da axé music. O axé ganhou o país e arrastou toda uma nova geração para o sucesso 


Por Monique Lôbo



A música do Carnaval baiano ganhou eletricidade na década de 1950, quando Dodô e Osmar, inspirados pelo frevo pernambucano, subiram em um Ford Bigode munidos de um cavaquinho modificado, batizado de “pau elétrico”. 

Mas Salvador só passou a ter uma cena pop oriunda do Carnaval quando Luiz Caldas misturou samba, frevo, rock, reggae, ritmos caribenhos e tambores africanos em seu disco Magia (1985).

Concebido no lendário estúdio WR, de Wesley Rangel, que ficou conhecido como o ‘Abbey Road baiano’, o álbum trazia a música Fricote, que se tornou o marco zero da axé music.

De autoria do próprio Luiz Caldas, em parceria com Paulinho Camafeu, a música se tornou um sucesso na Bahia. “Eu estava na praça principal da cidade de Simões Filho, em um barzinho e encontrei Paulinho Camafeu. Entre uma conversa e outra captei o diálogo, tipo gozação, entre um rapaz e uma garota: ‘pega ela aí pra passar batom’. Daí nasceu Fricote”, lembra o músico, hoje com 51 anos.

Para conquistar o resto do país, a canção ganhou uma forcinha do Velho Guerreiro. Chacrinha (1917-1988) foi apresentado ao som e ao seu intérprete pelo produtor musical Roberto Sant’Ana. Ele gostou do que ouviu e levou Luiz para o palco do Cassino do Chacrinha.

“Roberto Sant’Ana ajudou a expandir este som nacionalmente, junto com o inesquecível Chacrinha, que me acolheu com todo carinho”, conta o cantor. Chacrinha também impulsionou a carreira de Sarajane. A primeira cantora do axé conheceu o apresentador em um de seus shows em Nazaré das Farinhas, a 180 km da capital baiana.

Depois disso, ela participou várias vezes do programa na Rede Globo. Em 1986, com apenas 18 anos, ela estourou com o hit A Roda, que integrava o seu primeiro disco solo. O álbum lhe rendeu um disco de platina, por mais de 600 mil cópias vendidas, e um videoclipe no Fantástico, gravado em 1987.

No mesmo ano, o cantor e compositor Gerônimo lançou o disco Eu Sou Negão. O disco tinha apenas quatro músicas: Jubiabá, Vida Que Passamos, Macuxi Muita Onda e a faixa- título, que o projetou na cena baiana. “A gente não imaginava o que o movimento ia se tornar, era um movimento cego. Mas ele fez como que a música de Carnaval tocasse o ano inteiro”, afirma Gerônimo, 61 anos.



Batismo

Foi também em 1987 que a cena foi batizada de axé music pelo crítico Hagamenon Brito, 54, que criou o rótulo de forma pejorativa. “Eu quis satirizar a pretensão internacional de alguns daqueles artistas”, explica. Ele conta que a palavra axé era usada por roqueiros baianos na época para classificar coisas bregas, de modo geral.

“Eu uni axé justamente ao sufixo inglês music para zoar quem dizia que aquele som faria sucesso até no exterior. Bem, errei na previsão”, assume entre risos o jornalista e editor do Correio*.

Não demorou para a imprensa do Rio e São Paulo utilizar também o termo para designar os artistas que surgiam na nova cena. “Foi aí que o nome perdeu o peso pejorativo: quando a mídia do Sudeste começou a usar e quando os artistas também o adotaram”, revela Hagamenon.

Para Wadinho Marques, tecladista da banda Chiclete com Banana, o nome tem uma carga positiva, herança das influências africanas na cultura e na música baiana. “Etimologicamente, ela representa força. É uma palavra africana que tem esse significado. E o axé é isso”, argumenta.


Samba reggae


A proximidade com a música afro foi fundamental para a axé music. As batidas características dos blocos afros foram importantes para o novo som. “O timbre do samba reggae é a célula mãe do axé. Todos os artistas beberam do samba reggae do Olodum e de outros blocos”, afirma João Jorge, presidente do bloco Olodum.

Para Margareth Menezes, 52, a música de origem africana é a grande inspiração para os artistas: “O Ilê Aiyê tem mais de 40 anos, o Olodum tem 37 anos, o Malê Debalê tem mais de 40, os Filhos de Gandhy e sua levada do ijexá tem mais de 50 anos. O axé foi construído com essa mistura rítmica e com as levadas de cada um desses blocos”.

Muitas bandas e artistas passaram a fazer sucesso gravando samba reggae. A extinta Reflexu’s é um exemplo: com o hit Madagascar Olodum, do álbum Reflexu’s da Mãe África (1987), a banda vendeu 800 mil discos na gravadora EMI. Com letras de tom afirmativo, o grupo ainda emplacou Alfabeto do Negão, Libertem Mandela e Canto Para o Senegal.


Vibração e alguma ingenuidade, por Hagamenon Brito

Nos 30 anos da axé music, é preciso admirar os talentos que ela gerou, mas sem perder o senso crítico, porque sem senso crítico não se chupa nem um picolé Chicabon. Primeiro, é preciso lembrar que antes de Luiz Caldas e afins, existiram Dodô & Osmar nos anos 50, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Novos Baianos na Praça Castro Alves dos anos 70...

A grande mudança ocorrida a partir de 1985, quando surgiu toda uma nova geração de intérpretes e instrumentistas com influências diversas (do balanço caribenho às guitarras do rock, do galope nordestino aos tambores afros), foi a criação de uma cena pop, uma indústria e um "gênero" que extrapolou o Carnaval para fazer o Brasil cair na balada e dançar em qualquer estação.

A primeira fase do axé foi uma explosão de vibração, de renovação no Carnaval e de bem-vinda chegada dos tambores afros à sala de estar do pop baiano. Ninguém ali, em sã consciência, sabia direito no que aquilo tudo iria dar. Ninguém imaginaria que o samba reggae, por exemplo, seria capaz de atrair superastros como Paul Simon e Michael Jackson (1958-2009) a Salvador.

Com seu samba reggae, a Reflexu’s foi o primeiro nome da axé music a vender 800 mil cópias de um disco, em 1987 (Foto: Arquivo Correio)


E que o axé geraria estrelas como Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Carlinhos Brown. Naquele tempo ainda havia certa ingenuidade e amadorismo, tanto nos músicos quanto no showbiz. E, por isso, muitos nomes daquela fase não souberam conduzir suas carreiras ou, simplesmente, foram tragados pelo tempo.

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