segunda-feira, 1 de novembro de 2010

SE VOCÊ DISSER QUE EU DESAFINO AMOR...

Por Bruno Negromonte e Elisa Tozzi


... Talvez seja menos doloroso do que deixar cair no ostracismo o nome de um dos precursores do movimento musical que elevou o Brasil para a primeira divisão do cenário musical mundial. Novembro de 2010 faz 50 anos que morreu Newton Mendonça, um dos principais nomes do movimento musical intitulado bossa nova.

Newton nasceu no Rio de Janeiro e desde a infância circulou pela rua Nascimento Silva cuja a amizade com o então Antônio Carlos Jobim perdurou até o fim da precoce vida. Ainda criança morou em 3 cidades distintas: Porto Alegre (RS) onde deu início aos estudos musicais a partir do violino; Aquidauana (MS) e São Luis (MA). De volta ao Rio de Janeiro, ingressou no Colégio Militar, onde ficou conhecido como "Newton Gaitinha", por não se separar do instrumento. Aos 13 anos, iniciou seus estudos de piano clássico.

Em 1942 junta-se ao seu amigo de infância, Tom Jobim e daí em diante essa parceria renderia grandes canções que não só se tornariam ícones do movimento musical intitulado Bossa Nova, mas também clássicos da história musical brasileira.

O primeiro sucesso surgiu com "Foi a Noite", considerado por muitos especialistas como o início da bossa nova. Mas além desta, várias canções viriam a surgir posteriormente como "Domingo azul do mar", "Perdido nos teus olhos", "Luar e batucada", "Teu castigo", "Tristeza". O grande sucesso veio a acontecer quando João Gilberto gravou "Desafinado" e "Samba de Uma Nota Só" nos álbuns. Seguiram-se "Meditação", "Caminhos Cruzados", "Discussão" e "Só Saudade".

Paradoxalmente ao sucesso de suas composições, Newton nunca teve o devido reconhecimento junto ao movimento musical. Isso foi notado quando em 2007, na passagem dos 80 anos de Newton nenhum registro da mídia, nenhuma lembrança ou celebração na música brasileira que reverenciasse o músico foi feito. Porém, ao contrário, no aniversário de oitenta anos de Tom Jobim, irmão xifópago de Newton, ocorrido um pouco antes, o País todo, com muita justiça, reverenciou a memória de Tom, com programas especiais no rádio e tv, matérias e cadernos especiais nos jornais. Além do que, no ano seguinte, na comemoração dos 50 anos do movimento musical, as intermináveis comemorações ao cinqüentenário da Bossa Nova o nome de Newton Mendonça, um dos mais importantes componentes do grupo que revolucionou a música brasileira, permaneceu quase que totalmente obscuro.

Devido a amizade que vinha desde a infância, Newton foi o primeiro parceiro de Tom Jobim. De tão admirável, o cronista José Carlos de Oliveira (em sua coluna de 1974 publicada no Jornal do Brasil) concedeu a Newton um lugar na tríade da Bossa Nova ao considerá-lo o legítimo criador do gênero "ao lado de Tom Jobim e João Gilberto". O que, então, levou esse personagem fundamental para o desenvolvimento da Bossa a cair em ostracismo?



Várias foram as razões que o levou a essa situação de obscuridade, dentre as quais os erros disseminados sobre a carreira do compositor, está o mito do Newton letrista. Equívoco alastrado porque, em muitos créditos das canções em parceria com Tom Jobim, seu nome aparece em segundo lugar - espaço dedicado aos letristas pela convenção dos direitos de autoria.

Ao fato, soma-se ainda o descaso do produtor da gravadora Odeon, Aloysio de Oliveira. Para o jornalista Ruy Castro, "Foi ele quem conseguiu convencer todo mundo de que Newton era apenas letrista". Na primeira gravação de Desafinado, Newton foi creditado por Oliveira como letrista, mas dessa vez sob o absurdo nome de "Milton Mendonça".

Não que o artista deixasse de se arriscar nos versos (louco por fotografia, foi ele quem brigou para acrescentar a frase bem humorada "fotografei você na minha Rolleyflex" em Desafinado), mas seu forte eram mesmo os acordes. "Criaram um estereótipo de Newton como apêndice de Tom Jobim. Depois de sua morte, saíram ensaios e artigos dizendo que ele seria letrista apenas. Mas o negócio dele era o piano, a melodia. Foi ele quem revolucionou a música da época. Tom só é vanguarda com Newton. Sem ele é apenas samba canção", explica Marcelo Câmara, autor da única biografia sobre Newton Mendonça.

O próprio Tom Jobim, em algumas das raras declarações públicas sobre o parceiro, subentendeu que Newton se dedicava mais às palavras. No ano de 1968, em entrevista concedida para Museu da Imagem e do Som carioca, o maestro dá a entender que Newton simplesmente anotava suas composições. Em outro momento, em 1993, já no fim da vida, Tom se redime e conta aos jornalistas do programa Roda Viva da TV Cultura que as fronteiras entre quem fazia letra e música eram tênues. "Aceitávamos palpites. Normalmente eu sentava ao piano e ele, no caderno e no lápis. Mas isso podia trocar".

Diferentemente do amigo e impaciente comos repórteres, Newton concedeu apenas algumas entrevistas durante sua vida. Em uma delas, veiculada na revista Radiolândia de 1960 com o título "O parceiro desconhecido de Tom", o músico afirma que ele e o maestro compunham a quatro mãos. "Muita gente acredita que eu faço as letras, enquanto Tom faz as músicas - mas não é esta a verdade. Música e letra vão sendo feitas ao mesmo tempo".

As negligências e erros, que com muito garimpo vêm à tona, começam a ser corrigidos para que uma nova imagem de Newton seja construída. Se Tom Jobim deu poucas declarações sobre o parceiro durante sua vida, apenas quatro, segundo Marcelo Câmara, não foi por falta de consideração.

Thereza Hernanny, sua primeira esposa, é enfática: "Essa polêmica é negativa para a imagem do próprio Newton. Tom lutava muito para manter a imagem dos parceiros, nunca os deixava sem crédito". E arrisca: "Tocar o mesmo instrumento é que talvez tenha separado um pouco os dois. Se um deles tivesse um violão, não tenho dúvidas de que montariam um conjunto. Eram muito amigos".

A exatamente 50 anos atrás (1960) aos 33 anos, Newton teve um enfarte fulminante, vindo a falecer sem ver o movimento que ele ajudou a criar tomar conta do mundo e ser a referência da música brasileira no exterior ao longo dos anos, infelizmente não chegou a colher os frutos de suas parcerias com Tom Jobim.

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