terça-feira, 10 de junho de 2008

EU SEI QUE É JUNHO...

Por Ricardo Anísio

...Mas os sons que me cercam não têm mais o romantismo e a arte sagrada dos mestres que elevaram a auto-estima nordestina.

Para: Flávio José e Irah Caldeira

Em uma das minhas paradas meditativas que semanalmente faço, lembro-me que entramos no mês de junho. Sim, o mês que sempre elegi como o mais charmoso de minha infância, de fogueiras, balões e música nordestina que me aquecia o coração com poesia e ritmo. Como a amiga Cecéu descreve, o bater do peito na cadência do xote.

Estou sentado à calçada da praia do Cabo Branco secular, o mesmo de Zé Ramalho e de Cátia de França. Meditando sobre a vida, sobre o amor, sobre minhas cicatrizes d'infância e sobre as alegrias milagrosas de Bisneto, Cecília, Eduarda e Artur. Meditar me faz bem. Não saberia viver sem reservar, pelo menos, duas horas diárias para intensamente, pensar. Pensar sobre as guerras, pensar sobre a paz. Raul Seixas filosofava que a guerra é produto da paz. Gilberto Gil lembra que uma bomba sobre o Japão fez nascer um Japão de paz. Qual seja, não existe a fórmula matemática para a felicidade, e nem para a tristeza. Aliás, o autor de Metamorfose Ambulante me lembra que o mais puro gosto do mel é apenas defeito do fel.

Pois bem, eu sei que é junho, assim como sabe Alceu Valença. Mas ao vagar pelas ruas com meus demônios de estimação e os fantasmas camaradas, não percebo muito bem se o calendário enegreceu de pudor ou o mundo enrubesceu de vida. Não contemplo mais as fogueiras nas calçadas, o pipocar do milho e o incinerar das saudades.

Os automóveis estacionados ao redor, capô abertos, volume máximo, não tocam Luiz Gonzaga, não tocam Azulão e nem Elino Julião. Aqueles jovens de olhar perdido, zumbis movidos a álcool, certamente não tiveram uma boa educação doméstica. Claro que não. Eles foram deseducados pelo massivo ataque de uma tal Rede Bobo de Telealienação e por mais que eu não os admire, eles não têm culpa.
Este Junho que se acomoda aqui no meu peito não quer mais do que a rabeca do Mestre Salu ou os 8 baixos de Zé Calixto. Porém, não é assim como há anos atrás, o junho que se finca no meu coração bobo, coração bola, coração balão; isso é apenas poesia de Valença e a gente se ilude dizendo: já não há mais coração. Há sim os corações dos poetas, dos sensíveis, dos que como Jackson do Pandeiro e Ari Lobo quiseram ir morar na Lua, e foram. Estão melhor por lá, certamente.

Eu aqui, com os pés fincados no demasiadamente terra, exercito a levitação de Lobsang , meu guru falido e mal-pago da década de setenta, quando eu ainda tentava a transmutação e forçava a barra para conversar com o moço do disco voador. Eu não sou Antônio Barros nem James Dean. Eu não sou galã e nem vilão. Apenas me procuro em meio a esse Junho sem graça, entre as cinzas de uma fogueira que não basta para o frio do meu coração em chamas.

Nos sons que me cercam ali, bem perto da Ponta do Seixas, macambúzio e solitário, vejo a imagem do compadre Rodrigo a me abrir os braços. Sonhar é preciso, mas não exato como o navegar de Pessoa. A viver eu não aprendi, me resta o sonho. Ser feliz não me cabe, então me sobra a caminhada. Entre um Jackson do Pandeiro que dá ritmo ao meu coração e aqueles sons estupidamente altos que saem dos automóveis em Cabo Branco, cabe-me a sensação do cérebro sendo comido pelos vermes.

Tal qual canta Caetano Veloso vejo tantas almas esticadas no curtume, que nem sei mesmo se é Junho, ou se o calendário ensandeceu. Miro-me no exemplo do pôster de Guevara na parede, próxima do Cristo mosaicado pelos garotos de rua, e minha mãe prostrada à cadeira, lendo para não morrer de tanta vida. Vida em abundância, vida. Uma mãe da paz.

Vida que em junho ou não, range de vergonha dessa juventude bela e sem charme que entope seus ouvidos de indecências. Coitados. Onde estavam seus pais na hora em que seus cérebros passaram a ser apenas gosmas?

Mas por que esses jovens lá não sabem viver? Onde estavam seus pais no instante em que eles decidiram se tornar Zumbis se encharcarem de brutal ignorância? Que impávida insensibilidade lhes vulgariza a ponto de não perceberem Caboclo Sonhador e se fartarem de créu?

É, eu sei que é junho...

ricardoanisio@jornalonorte.com.br

O Norte, 03 de junho de 2008

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